Fazer uma lista com os melhores filmes de um grande diretor nunca é uma tarefa fácil. Aliás, nenhuma lista é algo fácil de se fazer. A ironia é que não conseguimos deixar essas iniciativas de lado. E cá estamos mais uma vez, a elencar, do “pior” para o melhor, os filmes do poeta da incomunicabilidade, o diretor italiano Michelangelo Antonioni.
Para que as coisas fiquem menos problemáticas e mais justas aqui, deixamos de fora os curta-metragens e trabalhamos apenas com os longas. Se já é difícil fazer uma lista desse porte com obras maiores do diretor, imaginem se contássemos os muitos curtas que dirigiu durante sua carreira, entre 1947 e 2004. Seguem abaixo os longas do diretor, cada um deles com as respectivas críticas lincadas. E vai aqui o meu agradecimento especial ao Ritter Fan, que juntamente comigo, votou para formar a classificação abaixo. E vocês? Quais são os seus filmes favoritos da lista abaixo? Quais ainda não assistiram e tiveram curiosidade de ver? Deixem seu comentário!
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16º Lugar: Crimes da Alma
Cronaca di un Amore, 1950
As muitas cicatrizes que o amor e o tempo podem deixar em um casal são aqui expostas por Antonioni. Menos existencial que suas obras posteriores, esta estreia em longas do diretor trouxe alguns belos momentos de paixão, um tipo de intriga familiar que os italianos sabem fazer tão bem, e uma delicadeza que segue até a metade do filme, para então abrir espaço a um desfecho de consequências jogadas para o público, quase um “assim estava escrito” que é bem difícil digerir. Para quem quer colher os frutos de uma grande filmografia, observar esta estranha semente pode ser uma experiência interessante, com resultados que, inclusive, poderão divergir imensamente da linha de pensamento que defendi aqui, dado o nível passional que o roteiro da película nos traz. Vale a pena arriscar e ver em qual lado da moeda você, leitor, se encontrará.
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15º Lugar: Zabriskie Point
1970
O acúmulo de problemas do roteiro faz Zabriskie Point parecer nada mais que um mero trabalho de militância com péssimos emissários. Porém, por mais que seja fácil se identificar com as críticas feitas aos norte-americanos, não nos apegamos por aqueles que propagam a mensagem dentro do filme, deixando uma sensação de indiferença ao término.
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14º Lugar: Além das Nuvens
Al di là Delle Nuvole, 1995
De todos os atos, o último é o mais denso, narrativamente forte e que consegue não só apresentar a luta que é o foco central do roteiro (a busca pelo amor e outras coisas em par com desejos ocultos e incomunicabilidade) mas também desenvolver os personagens, tendo um final desalentador, belissimamente fotografado por Alfio Contini — as cenas na igreja e a subida do rapaz pelas escadas do prédio se destacam –, e muito, muito real. É o encerramento mais refinado possível para um filme que é uma pequena tapeçaria de padrões confusos e ajustados de maneira pouco harmônica. A mensagem, porém, é clara, a habilidade dos diretores é inquestionável (assim como a do excelente elenco) e, deixando de lado qualquer comparação com as obras-primas de outro momento da carreira de Antonioni, Além das Nuvens tem um valor em si mesmo. Não chega a ser nem um “filme menor”. É apenas um “bom filme” — o último longa! — de um gigante do cinema.
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13º Lugar: Os Vencidos
I Vinti, 1953
No final, mesmo com problemas e grandes oscilações de qualidade, Os Vencidos acaba cumprindo seu objetivo de alertar uma geração para sua falta própria falta de rumo, algo que, claro, seria melhor abordado não só pelo próprio Antonioni, como, também, por seus contemporâneos europeus e também americanos em obras que marcariam a Sétima Arte. Como filme, essa é, sem dúvida, uma obra menor do diretor que, porém, já demonstra sua habilidade técnica e narrativa.
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12º Lugar: China
Chung Kuo – Cina, 1972
China é um documentário muitíssimo válido para termos um olhar daquele país no início dos anos 1970 sob as lentes de um grande diretor. Mas o público não deixará de sentir falta de uma maior gama de informações e nuances possíveis dentro de uma sociedade. Aqui encontramos um pouco de História, religiosidade, afazeres cotidianos, pobreza e elementos da cultura chinesa, mas não precisa muito para entendermos que o recorte deixou coisas muito mais interessantes de fora.
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11º Lugar: A Dama Sem Camélias
La Signora Senza Camelie, 1953
A Dama Sem Camélias, um jogo de palavras com o romance do escritor francês Alexandre Dumas, exprime críticas à indústria cinematográfica e à exposição da mulher como produto a ser consumido nas telas. Ao final do longa, um diretor apresenta uma proposta por ele considerada “séria” à Clara. Ela recusa-a por conter inúmeras cenas de sexo. Para ela o roteiro é apenas um pretexto para que ocorra esses segmentos. Considerada uma atriz lindíssima, se despir ou colocar-se em situações eróticas não seria uma parte fundamental do filme, na redefinição do corpo como arte, mas sim uma tática de mercado para atrair o público masculino. Se não consegue enfrentar essa corrente, infelizmente acaba por se unir, na esperança de um dia poder sair dela.
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10º Lugar: O Mistério de Oberwald
Il Mistero Di Oberwald, 1981
A obra, enfim, dispõe de muito embasamento no seu argumento, trazendo diversas pontuações para dentro de sua narrativa. É interessante vermos a relação entre a Rainha e seu prenunciado assassino nos mais diferentes âmbitos. O jogo entre os personagens de Paolo Bonacelli e Elisabetta Pozzi consegue ser menos superficial que aparenta, evidenciando os interesses de diferentes lados de forma eficaz. No final, em comparação com seus outros projetos, este filme pode não ser o melhor trabalho de Antonioni, mas certamente o italiano conseguiu trazer alguma coisa à tona com essa obra além de sua história sustentada em tradições antigas de storytelling.
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9º Lugar: Identificação de uma Mulher
Identificazione di una Donna, 1982
A sequência final volta a mostrar a delicadeza do plano fotográfico de Di Palma e o aproveitamento estupendo do tempo pela montagem, assinada pelo próprio Antonioni. Niccolò chega a uma conclusão incômoda ao pensar na sugestão dada pelo sobrinho, para um filme de ficção científica. E assim como a imaginada nave-asteroide potente que avança em direção ao Sol para estudá-lo, o diretor segue em sua busca íntima para encontrar o fim definitivo de sua solidão e identificar em uma mulher alguém que possa ser um rosto, um corpo e uma ideia; uma imagem, um sentimento e, por fim, a palavra que o satisfaria. Um egoísmo que no fundo é a ânsia de toda a humanidade. O arranhar da superfície daquilo que genericamente se chama… sentido da vida.
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8º Lugar: As Amigas
Le Amiche, 1955
Com esse real retrato da vida de cinco mulheres, As Amigas nos cativa do início ao fim, seja pela relação entre elas ou pela forma como suas visões sobre a vida vão sendo expostas ao longo da projeção. Habilidoso em criar sequências dinâmicas, com personagens entrando e saindo de cena, utilizando planos longos e engajantes, Michelangelo Antonioni novamente nos entrega uma obra irretocável, que, mesmo se passando há mais de sessenta anos, mantém-se atual até os dias de hoje.
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7º Lugar: Profissão – Repórter
Professione: Reporter, 1975
Até que chegamos ao terço final da película e Antonioni nos presenteia com um plano-sequência de sete minutos que não é apenas o auge do filme, mas um dos grandes momentos de sua brilhante carreira. A câmera começa a movimentar-se dentro do quarto de David, mostrando uma janela com grandes e movendo-se lentamente para frente. Pela janela, observamos a moça que o acompanhou durante a viagem, os dois traficantes de armas que negociaram com ele, um idoso sentado, uma criança brincando e alguns carros passando, todos entre grades, ressaltando como, inevitavelmente,o ser humano está preso em sua vida, em sua rotina e em sua própria pessoa, sendo um momento de extrema profundidade. Quando a câmera avança pela janela, inverte seu eixo e revela David morto em sua cama, fica claro os motivos do suicídio do personagem, que não suportava mais viver em sua prisão.
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6º Lugar: O Eclipse
L’eclisse, 1962
Seu filme de 1962 fecha a trilogia como uma unidade. Antonioni a transforma em uma pintura única, em preto e branco, em que os diversos matizes se somarão e só encontrarão sentido na última pincelada. Muitos interpretam a obra do italiano como um manifesto pessimista e eivado de mal-estar moderno. Mas dez anos após sua morte, a cena final de O Eclipse parece continuar negando isso. Ao menos por um instante. Ou melhor, por um plano. A centelha final de uma das mais influentes obras de arte do século XX.
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5º Lugar: O Grito
Il Grido, 1957
O caminho da autodestruição é não somente comovente, mas denota uma clareza narrativa de Antonioni que, ao lado de trabalhos como Blow-Up: Depois Daquele Beijo e Zabriskie Point, complexos em sua desfragmentação, parece ter encontrado pouco lugar ao sol na memória dos próprios admiradores do cineasta. Mas há uma riqueza ímpar para O Grito em meio a sua filmografia, seja pela dualidade de sentimentos mesmo diante do vazio existencial de Aldo, seja pelos elementos tão elementares que compõem os quadros da obra de Antonioni, e que vão desde a fotografia em preto-e-branco evocativa de Gianni Di Venanzo até a música de Giovanni Fusco. Em suma, O Grito é um filme de sentimentos raros, algo tão típico de um cineasta como Michelangelo Antonioni.
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4º Lugar: A Aventura
L’avventura, 1960
Outro ponto de A Aventura a ser comentado é a beleza que Antonioni alcança em seus planos de nuca e traseiros. Seu procedimento de filmagem carrega seus personagens de certo mistério e parece tentar impedir que o público os conheça completamente. Parece haver sempre algo na iminência de se revelar, mas que teima em não fazê-lo. A comunicação entre Sandro, Anna e Cristina é trabalhosa e lacunar durante todo o filme, mas o mais interessante é notar como Michelangelo Antonioni constrói essa atmosfera com envolvimento do espectador. O ótimo filme Procurando Elly, do iraniano Asghar Farhadi, parte do mesmo motivo – o desaparecimento súbito de uma das personagens e também é construído com muitos planos de nuca. Novamente ressalto A Aventura como grande referência estética, cruzando fronteiras e atingindo o cinema de países culturalmente muito diferentes.
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3º Lugar: Blow-Up, Depois Daquele Beijo
Blowup, 1966
O final, todavia, volta ao dilema de representar, buscar e ver o indivíduo como parte de uma representação. A ampliação da fotografia por Thomas, sua busca infrutífera (com sugestões de ideia fixa ou alucinação) é uma das formas de mostrar os mistérios escondidos nos lugares mais improváveis, mistérios que não afetam nada à volta das pessoas. As tragédias e as angústias pessoais simplesmente se perdem no meio do grande parque de mímicos que é a humanidade. Vez ou outra alguém captura o problema, se preocupa com ele, mas o perigoso encadeamento das coisas faz tudo logo desaparecer, exatamente como começou. Blow-Up – Depois Daquele Beijo é um filme sobre a fugacidade das preocupações, dos momentos, sentimentos e também da vida. O que pode ser doloroso para alguém (ou uma sociedade inteira) que tanto valoriza a imagem.
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2º Lugar: A Noite
La Notte, 1961
É interessante que a noite seja a metáfora desse processo, como um ofuscamento que inexoravelmente terminará no alvorecer de um amor reconstruído, mas apenas projetado, arredio a certezas e constâncias. A carta que Lídia lê ao final, escrita por Giovanni anos antes, contém uma síntese do amor que redescobrem no ardente beijo: “Sentir pela primeira vez que você me pertencia não só naquele momento e que a noite era eterna ao seu lado.”. O russo Andrei Tarkovski, ao analisar A Noite, dizia que aquele era o beijo de duas pessoas se afogando. A carta de Giovanni não nega. Mas acrescenta que esse amor resgatado só poderá ser vivido nessa asfixia. Na eternidade da noite em que um seguirá se afogando no amor do outro.
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1º Lugar: Deserto Vermelho – O Dilema de Uma Vida
Il Deserto Rosso, 1964
O final é o ponto máximo da resignação, mantendo os mesmos grilhões de antes, mas incorporando a incapacidade de se fazer algo a respeito, ao menos no exterior do corpo. Assim como os pássaros que evitam a fumaça amarela e venenosa para não morrer, Giuliana tenta escapar de seus tormentos não falando, não pensando ou minimizando-os. Essa ideia já tinha sido dada em um de seus diálogos com Corrado e aparece como solução para se evitar o sofrimento, no final. Como se no deserto vermelho, a única alternativa à morte imediata fosse ignorar a robotização, a sujeira, o gosto estranho das coisas e o martírio de se viver em um mundo que apodrece a olhos vistos, apesar das pequenas ilhas com cores contrastantes e momentos particulares de beleza. Até que tudo isso, algum dia cumpra o ciclo e, como a emergência do navio que coloca a todos em desespero, traga a morte, a saída definitiva.