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Fora de Plano #34 | Star Wars: Os Últimos Jedi – A Calma Trágica de Luke Skywalker

por Anthonio Delbon
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SPOILERS!

De tanto mudar de atitude com relação ao sol, já não sei mais como tratá-lo.
Cioran

Os Últimos Jedi gerou frisson. Junto com críticas das mais elogiosas, emotivas ou sóbrias, também desgosto, nojo e raiva, exponenciados ao patamar de ódio graças à facilidade das mídias sociais, vieram à tona. Para quem amou o filme como eu, uma sensação inevitável surge ao ver tanta gente sisuda em relação à obra: uma genuína chateação.

Quando se gosta tanto de uma peça artística a tendência é buscar um êxtase compartilhado. Identificar sensações, indicar detalhes antes imperceptíveis, dividir, cena por cena, o sentimento tido. Surtar, enfim, em conjunto, ainda que com o devido decoro. Fãs de Star Wars são craques nisso.

Naturalmente, a frustração que nasce da quebra dessa partilha de impressões vem com a mesma intensidade. Interrogações pululam e exclamações são cuspidas. Em extremo, de ambos os lados essa frustração cria donos da verdade, intransigentes influenciadores que, na frouxidão da nossa era que pauta qualquer debate como “cada um com seu cada um”, viram mestres da persuasão fugaz: poucos caracteres, um título chamativo e um intuito polêmico bastam (Compare The Last Jedi à trilogia prelúdio e sorria com o resultado)

O Fla x Flu político já invadiu os comentários de filmes de navinha. Ora a Disney é marxismo cultural gramsciano, ora Star Wars é um tapa na cara da sociedade capitalista. Paremos por aqui.

O que me move a escrever as seguintes linhas é um sentimento, se não puro, pelo menos duradouro acerca do que Rian Johnson escreveu. Evidentemente que quero a maioria dos fãs concordando comigo – é bom perder um pouco da fria individualidade no mar de gente que valoriza a mesma arte que você. Mas não escrevo para convencer quem odiou o filme nem para quem reclamou do ritmo de um arco ou outro das personagens – críticas com as quais concordo.

Proponho cavar.

Cavar um ponto específico do que nos foi apresentado, escolhido por ser, na minha visão, o mais corajoso passo em direção ao que se pode chamar de alguma maioridade em Star Wars. Isso não significa que, de agora em diante, os filmes de navinha devam ter uma profundidade dostoievskiana ou uma estética bressoniana.

Significa, apenas, que um blockbuster feito para as massas pode servir como mitologia moderna a flertar com temas humanos universais, anteriores a qualquer politicismo, cientificismo, minoritarianismo ou seja lá qual “ismo” você acredite piamente. No caso, o flerte se dá com a calma trágica. E convenhamos: quem se agita como um peixe fora d’água após a sessão, teclando com furor, pouco tempo terá para sentir paz e propósito do jeito que nosso menino Luke sentiu.

Do Herói

A jornada do herói de Joseph Campbell, citada banalmente podcasts afora, já deu o que tinha de dar. Não vou repetir etapa por etapa – recomendo, mais do que ouvir nerds de qualquer mídia, ler o brilhante estudo do próprio Campbell. Meu ponto é: Luke Skywalker termina sua jornada de herói em 1983. 34 anos depois, para onde ir com tal ícone?

Ou melhor, 34 anos depois, pergunta-se: muita coisa mudou, de fato, no mundo? Sim, no mundo da ciência e das técnicas cinematográficas, certamente. Quem toca com avidez tais novidades, todavia, continua sendo o mesmo pedaço de humano que tocava as escrituras sagradas, o renascimento e a Revolução Francesa.

Não há nada de novo debaixo do sol, já se lê no Eclesiastes.

Ainda assim, Rian Johnson magoou muita gente com suas decisões sobre como o otimista Luke Skywalker levou sua vida durante todo esse tempo, incluindo o próprio Mark Hamill. Mas o ator leu, interpretou e compreendeu – não sei se concordou, mas aí o problema é dele. A bem da verdade, um Luke esperançoso, com fé em Deus, na Força e em Darth Vader, seria tão interessante para os fãs como Snoke servindo como novo Imperador.

Desde o pôster a mensagem do filme foi clara: chega de Bem absoluto, chega de Mal absoluto. Meçamos o valor dos valores, reconheçamos a vaidade e hipocrisia da Ordem Jedi, identifiquemos o monstro em nós mesmos e a nossa natural tendência a ambos os lados da moeda (Santo Agostinho superou o maniqueísmo, por que não a gente?). A mensagem é velha – e para quem acompanha Rebels, citando o mesmo universo, é até cansativa.

Mas é novíssima em Star Wars. Há sempre os fãs que chegavam às tais conclusões em meio aos turbilhões de teorias e pensamentos – e produtos Disney. Sim, os Jedi caíram por arrogância. Talvez até se possa sondar isso das pérolas de Yoda nos Episódios V e VI (I, II e III eu não consigo engolir, perdoem-me). Mas nunca o cânone de Star Wars deu um passo tão grande para uma nova direção, bradando expressamente, pela boca de seu herói principal: “Quando quiseram melhorar a quebrada, deu m**** pra c******”.

Do Fracasso

Lembrando o “pessimista” Schopenhauer, já entrando no clima, o inimigo do bem não seria o mal, mas o melhor. Do loiro, confiante e talentoso herói Luke, nos é apresentada sua versão barbuda, azeda e resignada, até pintada como vilanesca aos mais ingênuos, em boa jogada de marketing do Sr. Mickey.

Fechado à Força e ao que simboliza o sabre de luz de seu pai, Luke não só se isola de tudo e todos como também parece manter forte rancor contra a própria inocência passada. As consequências dessa inocência, afinal, foram das piores para o próprio Luke, Leia, Han e Ben.

Nosso herói, símbolo da esperança, cresceu ressentido, envergonhado e ainda mais teimoso do que quando conheceu Mestre Yoda em Dagobah e ignorou o conselho do cansado fantasma de Obi-Wan.

Para alguns, o erro fatal do roteiro de Johnson.

Para mim e tantos outros, o acerto fatal do roteiro de Johnson.

Um pequeno detour: somos levados a acreditar que entre o Ben Kenobi de Ewan McGregor e o de Alec Guiness, em Tatooine, houve um mestre diligente, zeloso, nunca a perder a esperança em Luke – algo que, aposto, mudará, caso se faça de fato uma trilogia dedicada ao Jedi. Já em Yoda, o arquétipo do mestre cumpre o papel que lhe cabe na jornada do herói de Luke, mostrando seu despreparo e sua teimosia.

Mas Luke, como mestre, faz parte de sua jornada própria. E só. Seu arco há de ser crucial para o desenvolvimento de Rey, Ben e de suas percepções sobre o treinamento Jedi. Todavia, é Rey quem mais influencia Luke nesse episódio VIII do que o contrário. É ela que acaba de vez com suas esperanças e mostra seu total fracasso.

Da Esperança

Transformando o arquétipo do herói no arquétipo do mestre que se recusa a ser mestre, Johnson dá pele a Luke Skywalker. Deixa-o palpável e crível.

Deixa-o, essencialmente, trágico.

Para ficar no óbvio, Nietzsche, Freud e Schopenhauer poderiam nos auxiliar no objetivo de definir o que é ser trágico e o que é tragédia. Procurando abrir um pouco a reflexão e evitando fechar em algo definitivo, sem desconsiderar ajuda tão valiosa, tratemos o trágico, aqui e em suma, como um impasse, uma desarmonia vital.

Esse impasse pode ser o absurdo existencial de Camus, para quem preferir. Aquela percepção de que a vida não tem jeito, o que nos leva à única questão filosófica realmente séria para o autor argelino: a do suicídio.

Rian Johnson, pintando Luke com tais traços, toca no que talvez seja a principal temática da saga, além da família: a esperança.

É um desafio pensar na esperança no âmbito da tragédia. Só o trágico, a bem da verdade, pode levantar a questão da esperança. Só quem tem uma imaginação da catástrofe como estrutura ontológica da realidade. A condição trágica é quase psicológica: uns têm, outros não.

Luke não a tinha – porque Lucas nunca focou sua lente em qualquer trauma seu, ainda que ver seus tios carbonizados ou seu pai “daquele jeito” pudessem servir de bom material – nem a buscou. Conseguiu-a, ainda assim, com dor e sangue, pois a tragédia sempre nos atinge. Rey parece sempre ter essa personalidade trágica latejante – talvez, por isso, consiga ver e ir além do mestre, como indica Yoda.

Obi-Wan a tinha, pelo menos ao final de sua vida. E convenhamos: o subtítulo do primeiro Star Wars é como se fosse dado da perspectiva de Ben Kenobi, apenas. Só ele via no mimado sobrinho de Tia Beru o que ainda estava obscuro para todos.

Fato é: falar em esperança só faz sentido quando se vê o mundo pela lente trágica. A premissa de Os Últimos Jedi é essa: há uma cosmologia dada, nunca antes vista em tamanho detalhe e com tamanha importância na saga de George Lucas. E essa cosmologia não é das mais facilmente compreendidas, muito menos para quem, por 40 anos, acostumou-se a filtrar a realidade pela lente leve, heroica e, por vezes, puramente escapista dessa galáxia muito, muito distante.

Da Ética

Emil Cioran, um autor que transfigura tragédia em riso, cansou de gastar seu tédio em aforismos desse tipo: A natureza só criou os indivíduos para aliviar a Dor, para ajuda-la a dispersar-se à custa deles.

No extremo, é neste deserto que começamos a andar em Star Wars, graças a Rian Johnson.

Essa cosmologia de sinuca da filosofia trágica é, todavia, apenas a premissa inicial. Dado que o mundo é um beco sem saída, o problema que se apresenta acaba sendo, fundamentalmente, ético. Como agimos se a contingência reina?

Luke opta por esperar a morte, como um soldado, lambendo suas feridas, fechado à força. Abramos, aqui, um parêntese, para citar uma tragédia contemporânea.

Manchester à Beira Mar, filme dirigido por Kenneth Lonergan que rendeu um Oscar para Casey Affleck, expõe – de forma mais sutil, elegante e profunda, é preciso reconhecer – um cenário de pura filosofia trágica. Entrarei em breves spoilers.

Lee Chandler, em face do incêndio, teoricamente provocado por um descuido seu, que matou seus filhos pequenos após uma noite de bebedeira com os amigos, admite, em certo ponto da película: I can’t beat it.

As insinuações sexuais vividas no trabalho, os convites aos jantares, ao movimento da vida, enfim, não fazem sentido para Lee, essencialmente por uma razão: sua lucidez é tão clara que o dopa à realidade material.

Lúcido em relação a que, cabe a questão. À contingência, à aleatoriedade, ao acidente. Ao acaso cego, ao estilo da deusa grega Heimarmene.

Lee, mesmo reconhecendo a inexorável dor que acompanha a vida, ainda busca superar tamanho trauma de forma definitiva. Busca ver algum sentido no seu cotidiano comum. Mas, como admite ao seu sobrinho, não consegue vencer sua condição trágica.

Afinal, alguém poderia culpar Lee pelo deslize de não colocar a tela na lareira?

Afinal, alguém poderia culpar Luke pelo segundo em que levantou o sabre de luz contra Ben Solo?

Um era um pai cuidadoso e carinhoso. O outro, um mestre sábio e zeloso. Um momento de deslize bastou para Heimarmene novamente bradar quem manda no universo.

Das Saídas Além de Star Wars

Um trágico sabe não haver saídas, daí a esperança surgir como um problema, não como uma solução – o que simboliza a mudança de tom da primeira trilogia para esta atual. Luke antes era a esperança. Agora luta para encontrá-la.

Dentro de um cenário trágico – como a própria vida, diriam alguns – as saídas possíveis seriam paliativas, como Sísifo empurrando a pedra ou como a escrita terapêutica de Cioran. Nietzsche apostaria no seu Übermensch e na valorização dionisíaca, sem esquecer Apolo. Schopenhauer dá lá o seu valor à arte, à compaixão e à ascese – em suma, geralmente uma das três acaba sendo uma saída da tradição do pensamento ocidental.

Nas tragédias antigas – Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, essencialmente – mesmo que não seguissem uma norma única sobre tragédia, a ética se dava de distintas maneiras, até pelos diferentes contextos onde cada trágico viveu.

Ésquilo ditava um aceite à vontade dos deuses. Sófocles, vide Antígona, colocava sua fé na tradição, também na lei dos deuses, inexoráveis em face da lei deturpada de Creonte. Eurípedes, por sua vez, enfim secularizava a questão.

Dentro da tragédia grega, mais do que o fim, o que importa é identificar o percurso como trágico. Há tragédias com finais “felizes”, sim. No sentido da dramaturgia, o final, seguindo a Poética de Aristóteles, deve provocar empatia e catarse, sem esquecer a importância mais do que fundamental da carpintaria para tais efeitos – talvez Star Wars seja Star Wars, dentre outros aspectos, exatamente pela sua magnífica carpintaria.

No mundo trágico grego não havia expectativa de esperança. A novidade de tal expectativa é inaugurada pelo universo judaico-cristão, o que não invalida – pelo contrário! – as narrativas trágicas dessas religiões, talvez mais poderosas do que quaisquer outras.

Qualquer problema de salvação e redenção se origina exatamente aí. À quem cabe Deus salvar da condição trágica do pecado? Temos total livre-arbítrio em face do pecado, ou o servo-arbítrio de Lutero, puxado de Agostinho, expõe que nossa liberdade só é liberdade dentro do âmbito do pecado? Como ser salvo, portanto? Pelo trabalho a nos tornar merecedores, ou pela graça divina, a ser distribuída ao acaso?

Autonomia e Heteronomia, dos Cristãos aos Jedi. Como ser salvo, ou como se tornar um com a força? Basta ter fé?

Da Saída em Star Wars

Em Os Últimos Jedi vemos que Luke continua seu treinamento como Jedi – afinal, o Jedi que retornou no episódio VI foi Anakin. Pouco importa se antes seu papel era estritamente de aprendiz e agora tenha se tornado uma lenda como mestre. Seu papel continua sendo, fundamentalmente, o de aprendiz, o que inclui tolice, teimosia, cegueira e excesso em se levar a sério, como bem mostra o cínico mestre Yoda.

A saída inicial de Luke é a de se fechar. Mas, no fundo do poço, já com Rey tendo o deixado e com a sagrada árvore pegando fogo, Luke toma a devida bronca de seu eterno mestre e muda de figura. Sua última transfiguração.

Clément Rosset, em Antinatureza, sustenta que a posição trágica é aquela de quem aceita a contingência como rainha de tudo. É esse o caminho que Luke compreende com seus fracassos repetidos. Yoda só pode fazer uma coisa em face disso: rir. Não somente pela teimosia de seu pupilo, mas por seu pupilo lembra-lo das falhas da Ordem Jedi em seu auge.

Luke passou, todavia, a maior parte de seu tempo preso à crítica da Ordem Jedi. Ainda que correto, o rancor que essa revelação lhe causou fez a Força estacionar no nem tão jovem Skywalker. Parecia-lhe tão óbvio toda a besteira de “mestre”, “lenda”, “jedi” pra lá e pra cá, que seu espírito se frustrou quando o mundo inteiro não o compreendeu. Adicionando-se a tragédia que essa mesma ladainha Jedi lhe trouxe pessoalmente, o resultado não poderia ser outro: uma concentração intensa do amálgama de raiva e vergonha capaz de interromper o fluxo da Força.

Por trás dessa interrupção reside, principalmente, o desejo que Luke manteve, até a conversa de Yoda, de ser o herói. De resolver, sendo ele um Skywalker e o último jedi, o caminho da Ordem e o caminho da galáxia. A figura de Yoda – que vale o filme inteiro – vem exatamente contrastar com a rigidez e seriedade deste Luke que peca, tal como Jó, por idolatrar a própria virtude – no caso, a virtude de ser o único a perceber que tudo, voltando ao Eclesiastes, é vaidade: Jedi, Sith etc.

Tudo é vaidade, inclusive o conhecimento de que tudo é vaidade em que Luke se agarra com ardor, como se tal sabedoria bastasse para evitar o sofrimento. Ao se amarrar nessa reação e se isolar, Luke continua se dando uma demasiada importância, ainda que de outro modo – vendo-se necessário mesmo que para garantir a morte do legado jedi. O desafio de Luke, tal como o de Jó, é como voltar ao mundo tendo todos os motivos para se afastar dele.

Da Paz Trágica

Após a aparição de Yoda, Luke reaparece transformado no terceiro ato do filme. Rian Johnson oferece seu protagonista ao sacrifício, tal como os bodes (tragos) eram oferecidos nos cantos dionisíacos que originaram a noção de tragédia. Luke não corre, mas caminha em direção à derradeira queda. E sabe disso.

Aqui, a opção de Johnson por utilizar uma projeção astral é uma simples jogada de mestre. Ao mesmo tempo em que coloca Luke como mestre intelectual/espiritual, mostra que o último passo do irmão de Leia é um passo primordialmente interno. Voltando a Clément Rosset, Luke realiza que a contingência reina, esmagando qualquer projeto, sentido ou fixação.

Ao se desculpar com Leia, seu espírito é outro: convicção, coragem, força para ser a última esperança quando sua própria irmã já parecia ter desistido. O ponto central é: para Luke surgir naquele momento daquele modo, foi necessária uma jornada trágica, traumática, dolorosa e sem qualquer aparente harmonia. Mas ali o velho Jedi sabia.

Sabia respeitar a sabedoria de seus ancestrais.

Sabia que sua existência era vã, como todas ao seu redor.

Sabia que não era nele que residia qualquer medida do Bem e do Mal a ser espalhada pela galáxia por seus ensinamentos.

Sabia não. Sentia tudo isso.

Para o homem absurdo de Camus, não se trata de explicar e resolver, mas de sentir e descrever. E tudo começa com a indiferença clarividente. Essa seria a sinopse da batalha final entre Luke e Ben.

Das tragédias gregas às atuais, esse sentimento de paz trágica já vestiu inumeráveis vestimentas. Ficando nos autores já citados, no Sete contra Tebas de Ésquilo, Etéocles parece ter uma epifania antes de sua morte: descendente da amaldiçoada linhagem de Laio e Édipo, o combatente enfim aceita que o erro, em toda a sua vida, é simplesmente o fato de ele existir – ao estilo de Sileno, professor de Dioniso. Em face disso, se acalma.

O Lee Chandler de Casey Affleck, depois de penoso percurso, até imagina ter um quarto a mais para seu sobrinho visita-lo. Aqui, uma volta de esperança – inexistente no imaginário das tragédias gregas – tangencia a jornada de Lee, cuidado por seu irmão mesmo quando este morre. Alguém colocou fé que Chandler pudesse voltar ao “mundo dos vivos”.

Os caminhos de Luke e Lee indicariam redenção? Ben Solo, falando nisso, ainda pode ter redenção?

Uma característica da tragédia grega antiga é não apagar os erros. Voluntariamente ou não, como no caso do pai de Etéocles, Édipo, são tais erros que o constituirão. Luke não busca redenção, nem Lee – duvido que Ben procure também. A calma trágica sentida por ambos é desinteressada, porque transforma o peso da contingência em ontologia: o jedi percebe, definitivamente, que tudo é contingente. Passa a fluir com o acaso.

Nada é necessário e tudo é graça – de Deus, ou da Força.

Saber que se está à mercê da contingência é um salto qualitativo: é o fim da ilusão, capaz de deixar Luke leve e corajoso, os dois principais aspectos que saltam aos olhos em seus minutos finais. Assim, ele consegue dar um salto tanto religioso – para um leve sorriso de Unamuno e Kierkegaard – quanto literal, atravessando uma galáxia, confiante como nunca antes.

Da Força

Se há algo que aprendemos sobre a Força em Os Últimos Jedi é que ela é um ciclo – um tempo para cada coisa (novamente Eclesiastes). Alcançá-la não passa por algo estritamente físico – como esticar o braço. É um processo espiritual que abrange certas sensibilidades e temperamentos dentro do universo de Star Wars.

Voltando ao Eclesiastes, aqui pela última vez: debaixo do sol que Luke olha antes de partir, tudo é vento que passa, como aquele que bate em seu manto. A sabedoria está na casa da tristeza, melhor do que o riso; pois a tristeza faz o rosto ficar abatido, mas torna o coração compreensivo.

Os Últimos Jedi não é um filme para uma sensibilidade contemporânea sedenta por bem-estar imediato, riso alto e felicidade na vida.

Rian Johnson tem o grande mérito de intensificar a ambivalência da saga escrevendo a queda de Luke Skywalker de forma respeitosa e coerente, a engrandecer esse monumento de personagem de um modo mais forte do que a lente alto astral, otimista e fragilmente esperançosa desejável por alguns.

*Favor manter em mente que todo o texto foi um puríssimo exercício de, veja só, vaidade.

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