- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Pelo menos em tese, What Would Lucifer Do? é o último episódio daqueles quatro que foram removidos do final da segunda temporada e inseridos no começo da terceira. Digo em tese, pois não tenho certeza se o showrunner fez alterações na estrutura da temporada de forma que a ordem não ficasse exatamente assim, mesclando melhor os episódios – ou remontando-os até – como o objetivo de espalhá-los ao longo da atual temporada.
De toda forma, o bom diálogo entre os irmãos ao final do episódio poderia indicar que este momento marcaria um final de temporada, ainda que ele não seja um cliffhanger em si mesmo. E, se espremermos, é esse o momento realmente importante do que, de outra forma, parece mais outro filler da temporada, ainda que Mr. & Mrs. Mazikeen Smith tenha sido um bem mais agradável, uma raridade que foca em outro personagem que não o protagonista.
Em meio a uma temporada que, segundo consta, terá absurdos 26 episódios, é perfeitamente esperado que Joe Henderson “enrole” a narrativa sobrenatural principal, focando, pelo menos nesse começo, em casos da semana que não deixam a série sair do lugar, o que normalmente é ruim, mas que, se bem feitos, permitem breves e agradáveis momentos televisivos. No crime da vez, temos o assassinato de uma instrutora de um centro de reabilitação sofisticado de jovens drogados e desajustados. Lúcifer, como de costume, já parte para conclusões absolutas de que, uma vez delinquente, sempre delinquente, o que atravanca as investigações de Chloe, mas que, ao mesmo tempo – e aí vem o diferencial do episódio – permite alguns bons momentos nonsense com o Diabo ensinando aos jovens como traficar drogas, com direito a lousa com desenhos explicativos e aulas com ele montado em um corcel branco. É aquela bobagem com um quê de sofisticação que é marca da série, para o bem ou para o mal. A grande vantagem é que o casos da semana deixa de ser meramente mais uma morte e ganha contornos diferentes que são razoavelmente bem trabalhados no roteiro de Jason Ning.
Do lado pessoal, há duas pontas narrativas em desenvolvimento. A primeira delas é o que parece ser o inevitável: uma futura relação amorosa entre Chloe e o Tenente Pierce, algo que é indicado primeiro por Ella em um comentário bastante assertivo, mas aleatório sobre Marcus gostar de Chloe e, depois, com tudo o que vem a seguir. E esse “tudo que vem a seguir” é uma melosa desconstrução daquele muro alto construído ao longo dos episódios anteriores que classificaram Marcus como um sujeito misterioso, duro, que fala o que pensa e que não liga para ninguém. Depois que ele acompanha Chloe em sua volta ao centro de reabilitação, salvando sua vida ao tomar um tiro por ela, algo que é precedido e sucedido de diálogos do tipo “você é minha melhor detetive” e blá, blá, blá, meu sistema muscular involuntário já estava me fazendo revirar os olhos de tanta obviedade. E o problema maior não é nem o romance que se avizinha, mas sim o simples fato de que toda a relação quase-amorosa entre a policial e Lúcifer, que tomou a segunda temporada quase que inteiramente, ainda não foi resolvida, ou melhor, foi varrida para debaixo do tapete sem cerimônia. Se, por outro lado, esse futuro romance for justamente para reacender esse lado da história, então tudo bem, ele será mais do que justificado. A ver.
O segundo elemento narrativo pessoal é, lógico, a relação fraternal entre Amenadiel e Lúcifer. O irmão sem poderes encontrou sua missão na Terra e ela é o próprio Lúcifer e, no processo de entender detalhes, ele passa a literalmente viver “nos sapatos” do irmão, gerando alguns momentos que, sinceramente, foram muito constrangedores. D.B. Woodside é um bom ator na série, mas seu lado cômico não funciona muito bem, pelo menos não até agora e certamente não longe de Maze que, junto com a Dra. Linda, não deram as caras no episódio. No entanto, como esses momentos menos inspirados serviram para levar Amenadiel ao mencionado embate verbal com o irmão ao final, pelo menos vimos uma boa consequência já acontecer imediatamente, o que tem potencial de trazer algum semblante do caráter trágico da relação entre os dois e, quem sabe, abrir uma fresta de portas para o lado sobrenatural voltar de vez para a série, já que nem mesmo as asas de anjo nós vemos mais, sendo que elas são explicitamente usadas aqui.
Lucifer não parece ser uma série talhada para tantos episódios por temporada, sejam 26 ou 22. Teria sido melhor que a estrutura mais enxuta da primeira temporada, com 13 episódios, tivesse sido mantida. Se Joe Hendeson não quebrar a história em arcos menores razoavelmente aut0-contidos com uma história maior perpassando todos eles, ele arriscará transformar algo com potencial em mais uma série qualquer com um cara que um dia, conta a lenda, foi inspirado em quadrinhos. Mas há que se dar uma chance maior à temporada, agora que os tais quatro episódios que eram para ter ido ao ar como o final da temporada anterior, já passaram.
Lucifer – 3X04: What Would Lucifer Do? (EUA – 23 de outubro de 2017)
Desenvolvimento: Tom Kapinos (baseado em personagem criado por Neil Gaiman, Sam Keith e Mike Dringenberg)
Showrunner: Joe Henderson
Direção: Eagle Egilsson
Roteiro: Jason Ning
Elenco principal: Tom Ellis, Lauren German, Kevin Alejandro, D.B. Woodside, Lesley-Ann Brandt, Aimee Garcia, Tom Welling, Rachael Harris
Duração: 44 min.