Os quadrinhos de super-heróis mudaram muito desde que o Superman fez a sua primeira aparição em 1938. O escapismo da nossa realidade para um mundo de aventuras e inocência, que era a maior razão dos quadrinhos na época, foi substituído por uma seriedade e um peso, que quase transformou essa mídia em algo exclusivo para adultos.
É claro que essa fase mais “pé no chão” trouxe inúmeras tramas de boa qualidade, entre elas temos Guerra Civil, Batman: O Cavaleiro das Trevas, Grandes Astros Superman e muitas outras. Entretanto, sempre que um quadrinho de herói se veste de algo sério parece que ele está usando uma roupa que não lhe serve e que toda essa bonita vestimenta só está deixando-o apertado e limitando sua criação.
Poucos criadores conseguem enxergar as HQs dessa forma e eles não estão sozinhos nessa cegueira, diga para um fã da Marvel ou da DC que aquilo que ele gasta seu precioso tempo e dinheiro é algo voltado para o público infantil e você verá um calmo nerd se transformar no Cthulhu bem na sua frente. Colocar os quadrinhos como algo infantil, na mente dessas pessoas, é desvalorizá-los instantaneamente. Isso está errado, diversas obras que hoje consideramos de muita qualidade foram feitas, também, para crianças, E.T, O Hobbit e qualquer filme da Pixar são bons exemplos.
Existem alguns quadrinistas que não tem vergonha de se assumir, abraçam o escapismo e conseguem criar uma trama que é fácil, intrigante e acima de tudo divertida. Dan Jurgens e John Romita Jr. fazem parte desse seleto grupo de criadores, a dupla tem um currículo maravilhoso, trabalhando em títulos enormes da Marvel e da DC. Romita já desenhou o Demolidor, Homem de Ferro, Homem Aranha, Kick Ass e muitos outros. Jurgens foi o responsável pela Morte do Superman e pela fase atual do mesmo herói.
Essa dupla de estrelas também é responsável por O Poderoso Thor: Em Busca dos Deuses, um clássico do personagem que voltou a ser publicado no Brasil pela coleção de capa preta da Salvat.
Na trama vemos Asgard destruída, os deuses do panteão da cidade estão todos desaparecidos e Odin capturado. Thor, por sua vez, ainda está livre, e agindo normalmente com os Vingadores. No meio de sua busca pelos habitantes de Asgard ele se depara com o Destruidor, o deus do trovão logo chama seus amigos para ajudá-lo. Durante a batalha um paramédico chamado Jake Olson é morto tentando salvar uma vida.
Não é apenas Olson que perde a vida, o próprio Thor fica moribundo diante do Destruidor, o deus chega a ir para o inferno. Lá ele encontra Hela e mais um ser que não conhece, esse ser diz para o herói que sua batalha acabou matando um homem inocente e por isso ele deve pagar. Essa dívida é cobrada de uma forma inusitada, Thor retornará a vida, mas terá que viver por ele e por Jake Olson.
Depois desse primeiro ato acompanhamos o herói nessa jornada dupla, tentando se entender como mortal e como um deus. A trama de Jurgens tem defeitos, o roteirista estabelece pontos na sua história e acaba se esquecendo de desenvolvê-los, Olson é jogado no limbo na segunda parte da trama e não é revisitado até que o quadrinho termine.
Mas os erros de Jurgens não ofuscam o verdadeiro sentido de todo o seu roteiro de entregar uma boa aventura. Como dito anteriormente o roteirista entende que a mídia que ele trabalha é leve e divertida e ele faz exatamente isso em O Poderoso Thor: Em Busca dos Deuses. Todas as 7 edições são caracterizadas pela escrita leve e pelo heroísmo hiperbólico. Talvez o auge da narrativa de Jurgens seja quando os Vingadores enfrentam o Destruidor, parte essa que poderia estar em qualquer lista de as melhores lutas do grupo.
O roteiro de Dan Jurgens no quadrinho tem características difíceis de se encontrar em uma HQ de hoje. Os personagens narram as suas atitudes e é muito comum vermos balões que explicam algo que está evidente na arte de Romita. Isso está longe de ser um erro no roteiro do escritor, toda essa nostalgia lembra muito a dourada época de Lee e Kirby e arrancam um sorriso de qualquer um que adora quadrinhos.
John Romita Jr. é um dos desenhistas mais controversos do mundo do quadrinhos, existem aqueles que o amam e aqueles que o odeiam. Seu traço, é muito rústico e visceral e traduz bem o que está no roteiro. Ele é muito competente quando o assunto é narrativa gráfica, conduzindo a leitura dos seus quadros perfeitamente e manejando-os de forma inteligente para mostrar movimento, e até mesmo dilemas dos personagens.
Se o roteiro de Jurgens lembra os roteiro de Stan Lee, a arte de Romita não podia deixar de lembrar o mestre Jack Kirby. Como é bom ver os movimentos de Kirby nos traços de John Romita, tudo fica ainda melhor quando identificamos os famosos pontos de Kirby escondido na arte do desenhista.
O Poderoso Thor: Em Busca dos Deuses tem problemas em sua trama, mas eles estão longe de serem prejudiciais à história. O clima que o quadrinho tem e tudo aquilo que ele referencia o tornam muito grande, é muito bom ver que ainda existem quadrinistas que não tem vergonha de colocar a capa do escapismo e da ingenuidade e partir para a luta.
Data de publicação no Brasil: agosto de 2015