Obras como Deus Não Está Morto e sua continuação, A Cabana, Você Acredita?, dentre outras, evidenciam o crescimento do cinema cristão nos últimos anos – filmes esses que encontraram um bom mercado no Brasil, certamente fomentado por pastores e outros líderes religiosos, que incentivam seus seguidores a assistirem tais obras. Esse cinema evangelizador, porém, mais divide do que efetivamente convence, como é bem demonstrado no longa-metragem de Jon Gunn (diretor do já citado Você Acredita?), cuja mensagem basicamente diz que se você não acredita em Jesus, você está errado.
Baseado no livro de Lee Strobel, que consiste em sua própria história de como passou a acreditar em Deus, o filme coloca o próprio autor como protagonista, interpretado por Mike Vogel. Após quase testemunhar a possível morte de sua filha, salva por uma enfermeira presente no local, que dá crédito a Deus por ter a colocado ali, a esposa de Strobel, Leslie (Erika Christensen), converte-se ao cristianismo. Não aceitando tal fato, o marido, ateu e jornalista, inicia uma longa pesquisa para provar que Jesus jamais ressuscitou, desacreditando, portanto, toda a fé cristã, que tem como principal pilar justamente esse “fato”. Durante a investigação, porém, Lee passa a acreditar, não conseguindo encontrar dados capazes de acabar com essa fé.
O roteiro de Brian Bird é claramente tendencioso desde os minutos iniciais, retratando o protagonista como alguém intolerante das escolhas de sua esposa, visto que ele simplesmente não aceita o fato dela ter se convertido. Enquanto isso, as ações de Leslie, que tenta trazer o marido para o cristianismo e chega a levar seus filhos para a igreja é tratado como algo bom, isso partindo da mesma pessoa que, no início do filme, criticara o esposo por ter dito à filha que Deus não existe. Dessa forma, a obra revela com clareza a existência de duas medidas para dois pesos, criando oposição entre os dois lados, ao invés de simplesmente demonstrar como ambos podem coexistir de maneira respeitosa. A mulher é colocada na posição de vítima, como se os cristãos fossem uma minoria perseguida. Essa vitimização é aumentada pela investigação paralela de Lee, envolvendo um policial baleado, que claramente dialoga com a trama principal, de forma a evidenciar os erros no julgamento do personagem central.
Não bastasse isso, o texto faz de toda a conversão de Leslie algo puramente artificial, pautado unicamente no fato dela ter sido convencida pela enfermeira que salvara a sua filha. Chega a ser engraçado constatar que, se essa pessoa fosse, por exemplo, budista, teríamos um filme sobre um jornalista tentando provar a existência de Buda. Aliás, o puro fato de Lee tentar desacreditar a ressurreição de Cristo é sandice completa, considerando que essa base da fé cristã é justamente isso: fé – não podendo, jamais, ser provada efetivamente, por mais que o filme tente pregar o contrário.
Na tentativa de buscar mostrar como essa ampla pesquisa de Strobel o está afetando, o filme ainda traz trechos do personagem dormindo no sofá, negligenciando sua família e entregando-se à bebida, algo que é mostrado pontualmente, de maneira forçada, visto que na grande maioria do longa-metragem ele é retratado como alguém normal. Não existe a típica trajetória de queda do protagonista e sim momentos perdidos que o mostram na pior situação. Trechos como esse apenas aumentam a fragmentação narrativa, já proporcionada pela desnecessariamente longa e cansativa investigação, que poderia usufruir de alguns necessários cortes, tornando a obra mais dinâmica e menos repetitiva, com uma fórmula que se resume ao jornalista indo atrás de uma fonte (tendenciosa), que diz justamente o contrário do que ele queria escutar.
Pontos como esse de Em Defesa de Cristo um filme que exala artificialidade, uma evidente tentativa de evangelização, que retrata ateus como os vilões da história (através da figura do próprio protagonista). Dito isso, a obra funciona apenas para aqueles tão cegos em sua fé, que são incapazes de enxergar a unilateralidade desse longa, que diz tentar jogar dos dois lados, mas é tendencioso desde os segundos iniciais, pregando que a vida sem Cristo não é uma vida completa.
Em Defesa de Cristo (The Case for Christ) — EUA, 2017
Direção: Jon Gunn
Roteiro: Brian Bird (baseado no livro de Lee Strobel)
Elenco: Mike Vogel, L. Scott Caldwell, Erika Christensen, Faye Dunaway, Frankie Faison, Robert Forster, Brett Rice, Rus Blackwell
Duração: 112 min.