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Crítica | Voo Noturno (1997)

por Fernando Campos
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O vampiro é um ser que busca o sangue de seres vivos para alimentar-se, ou seja, comete este ato brutal por uma mera questão de sobrevivência. Já o repórter policial também busca sangue, mas cobrindo assassinatos, crimes violentos e estupros, usando-o para construir suas matérias. Esse tipo de jornalista não trabalha sem suas reportagens, portanto, analisando friamente, ele também se “alimenta” do sangue de inocentes, uma vez que o trabalho é seu ganha-pão. Portanto, não seria exagero sugerir que ambos precisam do sangue inocente, mas de maneiras completamente diferentes. Baseado nisso, o longa Voo Noturno, retirado do conto O Piloto da Noite, de Stephen King, constrói uma interessante comparação entre um jornalista implacável e um vampiro cruel.

A película traz a história de um misterioso assassino em série que faz vítimas em pequenos aeroportos no interior dos Estados Unidos. A única pista sobre o homicida é sua aeronave preta de pequeno porte, um bimotor Cessna Skymaster. Cabe a um frio e anti-social repórter Richard Dees (Miguel Ferrer), de um tabloide de noticias sensacionalistas, cobrir a misteriosa onda de mortes brutais e sangrentas.

Devido a já citada comparação entre vampiro e jornalista, o ponto mais interessante do longa é acompanhar o método de trabalho do repórter Richard Dees, se assemelhando muito com o que Louis Bloom faz em O Abutre, por exemplo. Portanto, Dees altera as cenas do crime para explorar os ferimentos das vítimas; atrapalha colegas de profissão para ganhar a matéria que deseja; e não possui sensibilidade alguma com quem perdeu um ente querido, inclusive, fotografando pessoas em momentos de choro ou desabafo. Aliás, em determinado momento, o repórter e o editor do jornal torcem para que a criatura mate mais pessoas, gerando mais notícias. Além disso, o estilo do protagonista proporciona bons diálogos, como o que ele ensina a Katherine sua visão sobre jornalismo, dizendo: “Nunca acredite no que você publica e nunca publique o que você acredita”. Mas claro que, se o personagem funciona tão bem, também é graças a uma segura atuação de Miguel Ferrer, utilizando de uma voz grave e imponente para transmitir a obscuridade do personagem.

A abordagem jornalística do roteiro, estruturada através dos métodos antiéticos do protagonista, é precisa em inserir um tom melancólico e incômodo na obra. Porém, a trilha sonora, composta por Brian Keane, é perfeita para reforçar ainda mais isso, utilizando de maneira preponderante o piano e violinos, gerando uma atmosfera de suspense e soturnidade.

Entretanto, a competência técnica do longa não limita-se apenas à sua parte musical, mas o diretor Marc Pavia também merece destaque, mostrando pleno domínio da obra que tem em mãos. A cinematografia, por exemplo, é elegante, utilizando movimentos de câmera suaves, como planos inclinados, para revelar objetos lentamente, ou o zoom-in, para aumentar a tensão das cenas. Essa estética buscada pelo diretor impede que o público se acomode enquanto assiste (uma boa estratégia tratando-se de terror).

Além disso, Pavia é inteligente ao usar a montagem para criar tensão e gerar o susto. Diferente de outras obras do gênero que simplesmente jogam elementos na tela, o diretor subverte nossa expectativa ao cortar diretamente para uma cena impactante, como o momento que há um corte para um homem decapitado, durante a explicação de um senhor para o repórter, surpreendendo quem assiste. Contudo, é lamentável que a edição não tenha a mesma competência para estabelecer um ritmo coeso na obra, resultando em um segundo ato arrastado e com alguns momentos desnecessários.

Continuando na parte técnica, o trabalho de maquiagem e efeitos especiais também merecem destaque, trazendo um visual assustador para o vampiro e não economizando no sangue. Ainda há boas doses de gore, como no nojento monte de vermes que fica embaixo do avião do vilão. Falando nisso, o terceiro ato é para nenhum fã de terror colocar defeito, utilizando todos esses elementos para criar um final assustador, cheio de violência e com criaturas de visual convincente.

Se não bastasse a eficiente direção de Pavia, o roteiro, também escrito por ele, ainda brinca com a percepção do público, escondendo a identidade do vampiro, fazendo-nos perguntar, inclusive, se ele existe na forma humana ou de monstro. Essa estratégia é bem ancorada pela direção que, novamente, merece elogios por saber evocar o lado místico da criatura, apresentando-a em meio às sombras, coberta por sua imponente capa ou banhada por um céu azulado, instigando nossa imaginação e dando ares místicos a ela.

As incógnitas sobre a identidade do vampiro servem para que cogitemos, em alguns momentos, se o protagonista não seria o monstro. Aliás, o roteiro é muito sutil em plantar essa dúvida, inserindo características iguais nos personagens, como o apreço pela aviação. Porém, mesmo que, no final, fique claro o fato de não serem o mesmo ser, a abordagem é perfeita para traçar o, já citado, paralelo entre eles, culminando em uma conclusão impactante e perfeita para a história. Por causa da bem sucedida interação entre vilão e protagonista, fica a sensação de que Katherine poderia ser mais bem utilizada dentro da trama, principalmente, por ter um papel importante no encerramento, mas parecendo deslocada durante todo o resto da projeção.

Infelizmente, em meio a tantas adaptações badaladas de obras de Stephen King, Voo Noturno fica em segundo plano, sendo um longa praticamente esquecido pelo público. Além disso, curiosamente, o diretor Marc Paiva só voltaria a dirigir um filme nove anos depois, contribuindo para que o longa fique fora dos holofotes. Porém, a película merece ser redescoberta, principalmente, por sua interessante analogia entre o vampirismo e o jornalismo policial.

Voo Noturno (The Night Flier) – EUA, 1997
Direção: Marc Pavia
Roteiro: Marc Pavia (baseado na obra de Stephen King)
Elenco: Miguel Ferrer, Julie Entwisle, Dan Monahan, Michael H. Moss, John Bennes, Beverly Skinner
Duração: 94 min

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