Nascida e criada no meio artístico, com seu pai já sendo conhecido como o diretor de O Poderoso Chefão, lançado quando a menina tinha apenas um ano, Sofia Coppola não é estranha à vida em hotéis, viajando conforme seu pai adentrava em uma nova empreitada cinematográfica. Em Um Lugar Qualquer, a diretora e roteirista busca colocar em tela algumas dessas suas experiências, enquanto lida com temáticas similares aos seus três primeiros longas, especificamente o encontro de si mesmo e a solidão.
À época de seu lançamento, a obra fora criticada, por alguns críticos, justamente por essa aparente mesmice da filmografia da cineasta, que aparentava repetir uma fórmula similar, independente do cenário no qual a trama é desenvolvida. Um olhar cuidadoso, porém, é o suficiente para enxergar a profunda diferença entre Um Lugar Qualquer e Maria Antonieta, por exemplo. Evidente que visualmente as obras são completamente distintas, mas mesmo a maneira como os dois filmes lidam com a solidão é essencialmente diferente.
Começando pelo óbvio: o protagonismo parte da mulher e vai para o homem, aqui assumido por Johnny Marco (Stephen Dorff), um jovem ator bem-sucedido que acaba caindo na depressão, não conseguindo sentir prazer por coisas que qualquer um sentiria. Coppola também lida com a questão do amadurecimento – comum em sua filmografia – além da paternidade, esse, sim, fator inédito de suas obras. Mas o que realmente diferencia esse longa de seus anteriores não é o status quo de seu personagem central e sim a maneira como isso é transposto para a tela, não somente com a intenção de criar um forte vínculo entre nós e o protagonista e sim nos fazer sentir exatamente o que ele vive.
Tal aspecto narrativo já se faz presente com toda a força nos minutos iniciais, que nos mostram uma longa sequência na qual Johnny assiste duas mulheres fazendo pole dance em seu quarto. Deitado ele as observa com nítida distância emocional, praticamente caindo no sono, até, realmente, se entregar aos sonhos. Coppola mantém a câmera estática, mostrando as duas dançando enquanto, ocasionalmente, corta para o protagonista as assistindo. O que a diretora cria aqui é a perfeita representação do tédio, nos fazendo ansiar, a cada segundo, por uma nova sequência – ela transforma um trecho enfadonho em algo imersivo, que, verdadeiramente, nos faz sentir como o próprio personagem central.
Trechos como esse se repetem por todo o filme, como a angustiante cena de Johnny tendo uma máscara criada em torno de seu rosto, que envolve um longo plano da cabeça do ator coberta de uma espécie de argila, apenas respirando, enquanto a câmera lentamente se aproxima dele. Ao mostrar esse outro lado da vida de glamour da celebridade, enxergamos ele não como um ídolo idealizado e sim como uma pessoa normal, algo, também, bem representado pelas suas roupas comuns, as quais evidenciam o seu desleixo, fruto do grande desânimo que tomara conta de sua vida.
O interessante é observar como toda a narrativa passa por uma substancial mudança a partir do momento que a filha do protagonista, Cleo (Elle Fanning), ganha mais espaço na trama. O efeito que ela causa em seu pai é evidente, questão apenas amplificada pela natural química existente entre Dorff e Fanning, que nos fazem acreditar, desde o início, que estamos realmente diante de pai e filha. A menina, portanto, passa a representar tanto uma forma de quebrar essa solidão e depressão do pai, como uma forma de incentivar o ganho de maturidade do ator, que, claro, passa a ter novas responsabilidades a partir do momento que a mãe da menina a deixa com ele.
É nesse ponto que Coppola realmente despeja todas as suas experiências de quando criança e tal aspecto transparece em tela com toda a força, nos aproximando ainda mais de seus personagens. Sabiamente, porém, a realizadora não permite que esqueçamos a problemática central da obra, seja através das mensagens anônimas recebidas pelo protagonista – as quais funcionam praticamente como uma manifestação de sua consciência -, seja pelos aspectos da “vida antiga” de Johhny recusando-se a irem embora. O mais fascinante disso tudo é quando percebemos o quanto passamos a nos importar com a relação entre pai e filha construída, torcendo, a todo momento, para que ela não seja destruída.
Sutilmente, mas de forma extremamente impactante, Coppola cria o seu clímax, com ambos os seus personagens colocando tudo aquilo que continham para fora, mostrando que, apesar de ainda haver um belo caminho pela frente, a cura já fora iniciada. São nesses momentos de simplicidade que Um Lugar Qualquer mostra toda a sua força – trata-se de uma obra imersiva, que requer entrega e paciência do espectador, mas que prova ser extremamente recompensadora quando mergulhamos em sua narrativa.
Coppola sabe o que faz e o faz de maneira que somente ela consegue fazer, criando personagens que realmente parecem pessoas reais, fator claramente influenciado pelo despejo de suas próprias vivências na trama.
Um Lugar Qualquer (Somewhere) — EUA/ Reino Unido/ Itália, 2010
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Stephen Dorff, Elle Fanning, Chris Pontius, Alexandra Williams, Nathalie Fay, Kristina Shannon, Karissa Shannon, John Prudhont
Duração: 97 min.