Por mais que tenhamos em Assassinato no Expresso do Oriente um dos livros teoricamente fáceis de se adaptar em toda a longa bibliografia de Agatha Christie, parece não ter sido fácil para diretores e roteiristas conseguirem um estágio palatável na criação de Hercule Poirot, na representação dos passageiros do Expresso do Oriente e na dinâmica que nos leva ao assassinato e sua complexa e instigante resolução. Neste telefilme de 2001, o último dirigido por Carl Schenkel, não temos uma boa adaptação do livro. Mas pelo menos temos um quase aceitável drama de mistério.
A trama começa com um irritante e dispensável momento de Poirot (Alfred Molina) em Istambul, resolvendo um crime que nos é colocado às pressas e não tem absolutamente nenhum sentido para a história, além de descaraterizar o personagem, abrindo espaço para um interesse amoroso que volta, ao final, com uma piadinha infame, estragando o tom interessante que o filme ganhara nos últimos 10 minutos. Este padrão simples, didático e mais açucarado que podemos esperar de um telefilme americano adaptando uma obra como Orient Express pode ser visto aqui, o que não significa um completo horror. Bem, ao menos se o espectador aceitar como “compensação” um bom suspense, já que não tem em mãos uma boa adaptação.
Com o objetivo de cortar custos, o enredo foi trazido para “os dias de hoje” (ou os anos 2000), o que pode parecer muito estranho à primeira vista, mas não é algo de grande impacto negativo. Colocando de lado o romance descabido de Poirot no começo e no final da fita, existe um número até compreensível de coisas questionáveis, o que talvez não seja um consolo, mas assisti-la acaba não sendo uma tortura, principalmente em sua sequência mais importante, que é o solilóquio do protagonista ao apresentar as duas versões que imagina como resolução para o caso. E aqui, graças aos bons espíritos dos romances policiais, a produção não colocou nenhuma camada moralista, religiosa ou politicamente correta para guiar esta resolução, que é crua e marcada por um excelente dilema moral, assim como no livro.
Talvez o maior peso deste filme, considerando apenas o seu lado de suspense, seja o fato de não ter um elenco realmente marcante. Evidente que isto tem a ver com o orçamento disponível e poderíamos até apontar que Molina e Leslie Caron (Sra. Alvarado) são presenças notáveis, o que é verdade, mas nenhum dos dois consegue chegar ao tom necessário para interpretar personagens (ou versões de personagens) de Agatha Christie. O Poirt de Alfred Molina é totalmente errado em termos físicos, em sotaque e em comportamento (o ator parece não se esforçar nada para construir os maneirismos do detetive belga). Com muito esforço conseguimos olhar para ele com olhos menos acusadores na sequência final, mas é penoso acompanhar a sua performance na maior parte da obra.
O que deixa o filme “ruim, mas assistível”, apesar dos atropelos que faz em relação ao original, é a maneira interessante com que a parte ruim do volume é resolvida — o miolo do filme chama mais anteção que o miolo do livro — e principalmente pela boa sequência de resolução do caso, que não só guarda o melhor momento de Molina na obra, como também o melhor momento da direção de Schenkel e igualmente da direção de fotografia. Após apresentadas as resoluções a obra volta a cair, mas pelo menos o seu maior momento foi bem filmado.
Esta adaptação traz muitas mudanças em relação ao livro, mas, na medida do possível, diretor e roteirista conseguiram contornar o peso imposto pela literatura e fazer um longa de mistério que vale para ser visto em uma noite sem compromisso. Não é muito Agatha Christie, mas pode garantir algumas centelhas de entretenimento.
Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express) — EUA, 2001
Direção: Carl Schenkel
Roteiro: Stephen Harrigan (baseado na obra de Agatha Christie)
Elenco: Alfred Molina, Meredith Baxter, Leslie Caron, Amira Casar, Nicolas Chagrin, Tasha de Vasconcelos, David Hunt, Adam James, Dylan Smith, Peter Strauss, Fritz Wepper, Kai Wiesinger, Natasha Wightman
Duração: 93 min.