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Crítica | Homeland – 6ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Obs: Leia, aqui, as críticas das demais temporadas. Há spoilers

Depois de duas temporadas passadas primordialmente fora dos EUA, Homeland volta para casa em uma temporada inspirada, claustrofóbica e repleta de ameaças verossímeis, ainda que galgadas em cima de uma mistura de suspeitas sérias com generosas doses de teorias da conspiração. O resultado é uma volta à forma que mais uma vez reinventa a bipolar Carrie Mathison, vivida à perfeição, como de praxe, por Claire Danes e estabelece o que parece ser o começo de uma história que vai além de apenas um temporada, considerando que, ao final da anterior, a série foi renovada diretamente para três temporadas.

Ainda trabalhando para o alemão filantropo milionário Otto Düring (Sebastian Koch, que não faz mais do que uma ponta na temporada) no braço novaiorquino de sua ONG, Carrie tenta novamente colocar sua vida nos eixos depois da complexa trama de espionagem que quase ceifou a vida de Peter Quinn (Rupert Friend) e em que ela entrou quase que sem querer. De certa forma, a história da nova temporada começa mais ou menos como na anterior, com Carrie ingressando no emaranhado da CIA por vias transversas, com a defesa que faz de Sekou Bah (J. Mallory McCree), um jovem muçulmano encarcerado pelo FBI por suspeita de ligação com terrorismo. Ao mesmo tempo, ela faz de tudo para cuidar de sua filha e de Peter Quinn, que sofre as terríveis consequências do derrame que resultou diretamente de ação de Carrie ao retirá-lo do coma induzido pós-inalação do gás sarin na temporada anterior e que o leva à confusão mental e problemas para controlar metade de suas funções motoras.

Além disso, em parte também a partir da culpa que sente por tudo que ela fez durante seu trabalho para a CIA, Carrie torna-se a conselheira secreta da presidente eleita Elizabeth Keane (Elizabeth Marvel), prestes a assumir o cargo e notória defensora da reformulação completa da política exterior americana, inclusive com promessas de mudanças drásticas na CIA. Isso, claro, coloca a futura presidente em rota de colisão com Dar Adal (F. Murray Abraham), sempre maquinando por trás dos panos, mas que, nesta temporada, ganha os holofotes finalmente. Saul Berenson (Mandy Patinkin), de seu lado, funciona quase que como o fiel da balança entre um oposto e outro, normalmente seguindo o caminho moralmente adequado como, aliás, é do caráter do personagem.

O melhor da temporada é que, diferentemente da anterior, que perde pontos ao criar uma trama aleatória para Peter Quinn a partir de sua metade, há uma costura muito eficiente em todas as narrativas que convergem para um ponto só: o desbaratamento de um campanha para tornar inviável a presidência de Keane antes mesmo de começar. O que parece um atentado “solto” e uma investigação com olhares externos logo se vira para ações domésticas comandadas sorrateiramente por um completamente sinistro e temível Dar Adal, um verdadeiro mestre das marionetes que só começam a ser desbaratadas a partir de intromissões cirúrgicas de um Peter Quinn atordoado e exagerado em tudo que faz, mas que, apesar de tudo, mantém, lá no fundo, sua frieza de assassino profissional da CIA apaixonado por Carrie.

Aliás, é particularmente interessante como os roteiros vão oferecendo pistas de um complexo quebra-cabeças que chegam a enganar o espectador ou, pelo menos, mantê-lo em constante estado de dúvida. Reparem, por exemplo, como a desconfiança de Quinn de que Carrie está sendo vigiada por seu vizinho do outro lado da rua é  jogada na trama. O ponto de vista é dele exclusivamente e sabemos que não mais podemos aceitar tudo que ele vê. Assim, como um observador não confiável, passamos a partilhar de suspeitas que parecem distantes demais, paranoicas ao extremo, até quase que completamente fora de contexto e propósito, somente para, no desenrolar da trama, percebermos que realmente há fogo nessa fumaça toda. A direção e montagem são meticulosas nesse aspecto, já que essas desconfianças perduram em diversas situações por praticamente toda a temporada, chegando a ser difícil imaginar como a história será encerrada em 12 episódios, o que acontece, mas sem que uma grande e ainda mais complexa porta seja aberta.

Essa forma de abordar o assunto contribui para a criação de um suspense de espionagem de primeira, daqueles que nos deixa na ponta do sofá roendo as unhas, algo raro em séries de TV dessa natureza, especialmente em sua sexta temporada. Quinn é, para todos os efeitos, o fio condutor aqui. Não o protagonista, que fique claro, mas são suas ações que criam a cola narrativa que une os demais personagens, coloca Carrie e Max (Maury Sterling, também ganhando um bom destaque nesta temporada) em ação e descobre provas suficientes para permitir a resolução da temporada. Rupert Friend, vale ressaltar, mostra a que veio com seu problemático personagem. Um ex-agente da CIA programado para matar que já  tinha dúvidas se realmente queria continuar naquele caminho e que não passa de uma sombra do que fora, sendo torturado por seu amor por Carrie, sua fidelidade a Dar Adal (com direito a um interessante twist sobre o passado dos dois) e pela sua consciência de que não tem mais pleno controle sobre quem é.

E é exatamente porque a temporada lida com as dificuldades físicas e mentais de Quinn que a própria bipolaridade de Carrie – pela primeira vez – não é usada em sua plenitude como artifício narrativo. Afinal, na temporada anterior, sua condição já havia sido forçada goela abaixo do espectador sem muita razão de ser e seu uso, aqui, provavelmente seria completamente perdido na história e poderia tirar os holofotes do drama de Quinn. Mas Carrie ainda é Carrie e seu desbalanço emocional continua presente e é manobrado sordidamente por Dar Adal quando ele maquina a maior maldade possível, ao separar a mãe de sua filha que, convenhamos, também funciona para a fluidez da narrativa já que a rotina de mãe impediria a verossimilhança de diversas ações de Carrie. E, com isso, a atuação de Claire Danes pode ser apreciada a partir de outros parâmetros, mais uma vez mostrando que a atriz deveria realmente ser hors concours em premiações como Emmy e Globo de Ouro.

Mas F. Murray Abraham também merece grande destaque aqui, abraçando de vez sua versão vilanesca full a partir da paranoia militar americana. É interessante, também, como o roteiro trabalha a relação entre Dar Adal e Peter Quinn, revelando o ponto fraco do frio manipulador da CIA em um contexto pessoal e bem inserido que parece perfeitamente crível se olharmos em retrospecto as temporadas anteriores e que ajuda na resolução da trama a partir do final do penúltimo episódio. Mandy Patinkin tem sua oportunidade de destaque também, com seu Saul Berenson sendo bem estabelecido como um espião veterano, à sombra de Dar Adal, mas que nunca se curva a ele e parte para investigações próprias que tangenciam fortemente a trama principal até que as linhas narrativas passem a ser uma só.

No lado dos novos personagens, dois valem ser efetivamente mencionados aqui: Elizabeth Marvel como a presidente eleita e Jake Weber como Brett O’Keefe, um entrevistador sensacionalista anti-Keane. Não são atuações particularmente marcantes, pois ambas são de uma nota só, Marvel sempre sisuda e com um misto de pavor e revolta e Weber canalizando radicais raivosos. Mas seus papeis são muito ricos e bem desenvolvidos, ambos cumprindo muito bem suas funções narrativas e com a promessa de continuarem sendo usados da mesma forma, mas talvez de forma invertida considerando que o episódio final se preocupa em revelar que a suspeita de Dar Adal sobre Keane talvez não fosse tão fora de compasso assim o que joga O’Keefe para o outro lado e coloca Carrie interessantemente contemplando o Capitólio.

Seria um caminho lógico se a Carrie realmente caminhasse para a política e essa parece ser a direção da série. Agora que, apesar de tudo, ela está em tese do outro lado do tabuleiro de Keane, pode ser que a ex-agente comece a montar um plano de longo prazo para reverter a situação ainda que a ausência de Quinn e, sobretudo, de Saul, torne esse jogo mais complexo para ela.

Homeland volta com força total para o espírito original da série: uma ameaça doméstica pairando no ar. Achei que a renovação por três temporadas de uma vez poderia criar problemas para a série manter sua relevância, mas a sexta temporada provou que há história ainda a ser contada tendo Carrie em seu epicentro e, muito ao contrário, a renovação potencialmente começou uma nova saga de três anos para a melhor agente bipolar da televisão.

P.s. Inacreditavelmente, demorei nada menos do que seis temporadas de Homeland para me tocar (na verdade, para minha esposa me fazer perceber) que Mandy Patinkin viveu ninguém menos do que o célebre e inesquecível espadachim Inigo Montoya, de A Princesa Prometida. Confesso que meu queixo caiu… Vejam só:

Homeland – 6ª Temporada (EUA, 15 de janeiro a 09 de abril de 2017)
Showrunner:
Howard Gordon, Alex Gansa (baseada em série criada por Gideon Raff)
Direção: Keith Gordon, Lesli Linka Glatter, Alex Graves, Tucker Gates, Dan Attias, Michael Klick, Seith Mann
Roteiro: Alex Gansa, Ted Mann, Chip Johannessen, Ron Nyswaner, Patrick Harbinson, Charlotte Stoudt, Evan Wright
Elenco: Claire Danes, Rupert Friend, Mandy Patinkin, F. Murray Abraham, Elizabeth Marvel, Maury Sterling, Shaun Toub, Nina Hoss, Allan Corduner,  J. Mallory McCree, Sebastian Koch, Sarita Choudhury, Jake Weber
Produtora: Showtime
Duração: 585 min. aprox. (12 episódios)

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