Home TVEpisódio Crítica | Samurai Jack – 5X03: XCIV

Crítica | Samurai Jack – 5X03: XCIV

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

  • Contém spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Antes da estreia dessa nova temporada de Samurai Jack, nós, espectadores, tínhamos poucas informações sobre sua trama, sabendo apenas que ela nos traria o fim da jornada de Jack, que seria voltada para um público mais adulto e que o protagonista teria de lidar com o fato de ter matado alguém, o que, por si só, já nos deixou mais que curiosos para saber qual o impacto desse acontecimento no herói. XCIV lida justamente com essa questão, continuando exatamente de onde o dramático capítulo anterior nos deixou, com um samurai profundamente ferido, tanto fisicamente quanto psicologicamente.

Após a batalha com as filhas de Aku, Jack cai em um rio e é conduzido pela sua correnteza para longe do templo, ou mausoléu, onde a luta acontecera. Machucado, ainda com a adaca fincada em seu abdômen, ele encontra refúgio em uma caverna, tendo de lidar não somente com seu ferimento, como com o frio do inverno. Ali, um lobo solitário, também cheio de machucados o encontra e ambos se ajudam no processo de cura, enquanto o protagonista encara o fato de ter matado uma de suas atacantes. Jack sabe que em breve ele terá de enfrentá-las de novo, mas, para isso, deve parar de fugir de sua própria consciência.

Chega a ser impressionante como, em apenas vinte e dois minutos, o roteiro de Genndy Tartakovsky e David Krentz consegue nos trazer tantos acontecimentos. O herói que encontramos no início do episódio é um totalmente diferente daquele do desfecho, mudança que ocorre através de flashbacks bem inseridos que trabalham a fundo a personalidade do personagem. Ao longo das cinco temporadas de Samurai Jack já presenciamos algumas dessas recordações de Jack, algumas a fim de criar seu sentimento de melancolia, por estar distante de seu tempo, outras para construir sua persona, evidenciando como seu longo treinamento e educação o tornaram o homem que ele é nos dias atuais. Aqui, em XCIV, vemos algo que o samurai havia, aparentemente, esquecido: a prova de que um homem pode ser honrado, mesmo sendo forçado a matar seus inimigos.

A presença do pai do protagonista aqui é essencial, afinal, ele é a figura quem Jack mais respeita, mas a recordação do Imperador matando aqueles que atacaram ele e sua família carrega mais que esse evidente peso. Vale lembrar que ele fora o primeiro a derrotar Aku com a espada dada a ele pelos deuses, forjada usando o sentimento de justiça no coração do próprio Imperador. Além disso, ao longo da série, a ideia nos passada é que somente aqueles com bom coração podem empunhar essa katana, dito isso, fica fácil enxergar o porquê do herói ter mudado essencialmente ao longo desse capítulo. Ao seu ver, para que ele pudesse manter sua honra e se proteger apropriadamente, ele precisaria dar a opção de seu atacante de desistir. O que, evidentemente, não acontece.

Até enxergar isso, o que vemos é o herói claramente fugindo de si mesmo, algo deixado claro pela arte, que retrata Jack totalmente em preto, com apenas o sangue em evidência, mostrando que é apenas isso que sua mente enxerga no momento, o ato de violência imperdoável (aos seus olhos) que ele acabara de cometer. Além disso, a maneira como o sangue escorre, obedecendo o estilo mais geométrico do traço da série, se assemelha a circuitos de computadores, máquinas, robôs, evidenciando que agora, o protagonista, se enxerga como aquilo que ele combate há tanto tempo.

Mesmo sua consciência manifestada assume uma forma mais monstruosa, distorcida, refletindo como o samurai vê a si mesmo agora. A figura do lobo, portanto, funciona não apenas como uma ajuda física, como espiritual, especialmente se levarmos em conta o fato de animais fugirem de criaturas maiores e mais ameaçadoras. O lobo fugiria de um monstro e não cuidaria dele como um igual. Dessa forma, sob diferentes aspectos, o roteiro trabalha com a recuperação de Jack, que é acelerada através de um eficiente trabalho de montagem que utiliza fadesins e fusões para criar a noção de uma maior passagem de tempo.

Mas não é só apenas a persona do herói que é trabalhada aqui, as próprias filhas de Aku contam com uma emblemática sequência, na qual elas contemplam os cervos enamorados, revelando mais uma vez (já tivemos um toque disso no primeiro episódio da temporada), que elas viveram em confinamento durante todas as suas vidas. Para elas tudo o que existe é sua missão: assassinar o samurai e aqui elas presenciam algo a mais. Entrarei, agora, no território da especulação, mas não duvidaria que Ashi acabará se aliando a Jack ou até mesmo passando a gostar dele com o passar da história, ao passo que a ação dos animais aqui pode servir de pista e construção para um possível interesse romance do herói, o que criaria um interessante paralelo com Jack and the Warrior Woman, da primeira temporada, no qual sentimos uma proximidade do protagonista com uma guerreira que, no fim, se revela como Aku disfarçado.

Quando achamos que não poderíamos ser mais surpreendidos, testemunhamos o que facilmente se enquadra como uma das melhores sequências de ação de todo o desenho, novamente seguindo o objetivo de diferenciar cada combate da série um do outro, algo que já comentei nas outras críticas da temporada. Com o cenário desaparecendo no nevoeiro, com apenas os personagens em evidência o simbolismo do bem contra o mal aparece da forma mais clara possível, com as figuras pretas representando o mal a ser combatido. Jack, quase sem roupa é colocado como a figura recém-nascida, reencarnada, agora mais resoluto. Não é por mero acaso que agora ele consegue vencer o grupo, ele se despiu de suas dúvidas, abraçando a ideologia de seu pai, que justifica o matar para sobreviver.

Não há como não notar a variedade dos movimentos dessa cena, que se tornam mais claros pelo embranquecimento dos arredores dos personagens. Colocados em destaque contra o fundo branco nossa noção de perspectiva, naturalmente, é afetada, possibilitando o enfoque maior nos golpes, pulos e defesas de cada um dos indivíduos em tela. Mesmo com tantos elementos em movimento no quadro, a arte brinca com nossa percepção ao fazer o cenário reaparecer e desaparecer novamente, não permitindo, em momento algum, que o combate se torne repetitivo. É notável, também, como as mortes aqui, embora impactantes, não carregam o mesmo peso da presenciada no episódio anterior – as enxergamos como uma inevitabilidade e não como o surto de um homem ferido. Há, porém, uma maior ferocidade em Jack, nos deixando curiosos para ver o quanto ele mudou durante sua estadia na caverna.

O capítulo também está recheado de referências às obras de Frank Miller, mais especificamente Sin CityOs 300 de Esparta. O primeiro é evidente através do visual, o contraste do preto com o branco e o vermelho, já a segunda se faz através da figura do lobo, cuja primeira aparição no episódio remete imediatamente à luta do espartano contra esse animal no início da graphic novel – inclusive, o visual do lobo é muito similar nas duas obras. Embora não lute contra a criatura, Jack, não por acaso, aparece depois usando uma lança, ótima piscadela para os quadrinhos de Miller.

Com todos esses fatores em perfeita harmonia, XCIV representa mais um grande acerto nessa impecável temporada de Samurai Jack. Misturando o drama pessoal de Jack com pontuais e emblemáticas sequências de construção de personagens, o episódio nos cativa do início ao fim, se categorizando como mais uma obra de arte, que fala por si só, mostrando como Genndy Tratakovsky e toda a sua equipe não tem medo de inovar a cada semana, nos entregando capítulos que merecem ser reassistidos inúmeras vezes.

Samurai Jack – 5X03: XCIV — EUA, 2017
Direção: Genndy Tartakovsky
Roteiro: David Krentz, Genndy Tartakovsky
Elenco: Phil LaMarr, Sab Shimono, Tara Strong, Keone Young, Kari Wahlgren
Duração: 22 min.

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