Seguem as críticas dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Curta Metragem Live Action em 2017 (os títulos foram mantidos como indicados pela Academia):
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Ennemis Intérieurs
(França – 2016)
Por mais curto que seja, um filme composto quase que unicamente de perguntas e respostas é sempre um desafio. E Selim Azzazi, editor de som de prolífica carreira que pela primeira vez senta na cadeira de diretor, consegue o improvável: uma história cativante, tensa e de partir o coração ao mesmo tempo que vale cada minuto de seus 27.
Um imigrante argelino que viveu a vida inteira na França está sentado em frente a um oficial de imigração. Ele quer, depois dessa décadas todas vivendo como um francês – e ele se considera, para todos os efeitos, um francês, afirmando que na Argélia ele é mais estrangeiro do que na França – a cidadania de lá. As perguntas começam mais inocentes, sobre conhecimentos gerais sobre o país da liberdade, igualdade e fraternidade,mas, aos poucos, elas vão ganhando contornos mais confrontativos, que colocam em dúvida a idoneidade do pretendente à cidadania. O crescente número de detalhes pedidos, a forma como eles são pedidos e as implicações que determinadas perguntas deixam no ar começam a irritar o entrevistado, algo perfeitamente compreensível e uma situação kafkiana clássica começa a ser erigida. Se as respostas não satisfizerem o entrevistador, o pretendente pode ser até deportado da França, apesar de sempre ter vivido por lá e, aos poucos, a realidade dos imigrantes vai sendo descortinada.
A beleza do filme é que ele foge de conclusões apressadas. O pretendente, vivido por Hassam Ghancy, é um homem culto, um professor que fala francês fluente e que consegue nomear não um ou dois, mas todos os rios que cruzam a França. Não se trata, portanto, de alguém que desesperadamente precisa fugir para a França, vindo de um país em guerra, mas se o tipo de pergunta dirigido a ele é assim, belicoso, imaginem aos recém-chegados que provavelmente nem francês falam? Por outro lado, o entrevistador, vivido por Najib Oudghiri, está também cumprindo sua função. É bastante razoável, considerando-se os gravíssimos atentados dos radicais islâmicos na França, que as perguntas sejam mesmo duras e tendentes a forçar o entrevistado a desequilibrar-se. Apesar do viés do documentário ser de condenação a esse tipo de atitude, não consigo deixar de enxergar o outro lado que quase que naturalmente precisa condenar a maioria por atos cometidos por uma minoria capaz de dirigir caminhões em alta velocidade para atropelar gente na rua às dezenas. Portanto, a proverbial faca, aqui, corta para os dois lados e Azzazi consegue magistralmente nos levar de um lado ao outro com segurança e fazendo pouquíssimo uso de sequências fora da sala de entrevistas. Os dois atores, também, convencem firmemente o espectador, notadamente as mudanças de humor de Ghancy e seu personagem, que começa leve e alegre e termina literalmente em frangalhos.
Ennemis Intérieurs é uma obra simples, mas conduzida com maestria e que faz o espectador pensar sobre os dois lados da moeda. Nem sempre perguntas tem respostas fáceis e não será simples para ninguém simplesmente aplaudir um lado e condenar o outro.
Direção: Selim Azzazi
Roteiro: Selim Azzazi
Elenco: Hassam Ghancy, Najib Oudghiri, Stéphane Perrichon, Nasser Azazi, Amine Brossier
Duração: 27 min.
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La Femme et le TGV
(Suíça – 2016)
Uma senhora solitária (Jane Birkin) que mora em uma pequena casa na Suíça encostada nos trilhos do trem de alta velocidade francês tem como ritual matutino alegremente balançando a bandeira de seu pais durante a passagem do trem a 300 km/h. Eis que, de uma hora para outra, o condutor começa a comunicar-se com ela via “cartas” e presentes que ele arremessa pela janela, minimizando a solidão que ela sente e dando-lhe algo para efetivamente se agarrar nesse momento de sua vida em que seu filho quer enviá-la para um lar de idosos.
Baseado em fatos reais, o curta de Timo von Gunten, já com boa bagagem como diretor desse tipo de obra, tem uma roupagem de fábula, algo que é amplificado pelas viagens diárias de Elise (a senhora) para a cidadezinha francesa mais próxima onde tem uma padaria (ou melhor, uma boulangerie) que vive semi-abandonada. A leveza toma conta da forma como von Gunten retrata o dia-a-dia da senhora, em uma rotina constante e imutável, mas que vai aos poucos ganhando mais vida por diversos pequenos fatores aqui e ali catalisados pelo contato mais “próximo” entre ela e o condutor. Birkin está ótima no papel e captura a atenção do espectador muito facilmente com seu ar meio-abilolado, meio-apaixonado que esquenta corações.
O curta, porém, sofre de alguns problemas, o maior deles sendo o uso de uma computação gráfica de baixa qualidade que mais distrai do que acrescenta. É desnecessário mostras as cartas do condutor voando digitalmente pela tela, assim como sobrepor Elise a um fundo digital em determinadas sequências deixa transparecer uma artificialidade que atrapalha. Ao tentar sofisticar, von Gunten acaba retirando o espectador da narrativa, fazendo com que ele inadvertidamente fique mais preocupado com a estranheza da fotografia digital do que com a história de Elise.
Mas La Femme et le TGV ainda é um simpático conto de fadas que merece apreciação. Não é memorável de forma alguma, mas diverte e gerará sorrisos.
Direção: Timo von Gunten
Roteiro: Timo von Gunten
Elenco: Jane Birkin, Julie Dray, Lucien Guignard, Nicolas Heini, Mathieu Bisson, Viola von Scarpatetti
Duração: 30 min.
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Silent Nights
(Dinamarca – 2016)
Essa pequena produção dinamarquesa tenta ser uma coisa, mas acaba cruzando fios e passa uma mensagem estranha, até contraditória e por vezes inocente demais. Inger (Malene Beltoft Olsen) é uma voluntária em um abrigo do Exército da Salvação em Copenhague que acaba se apaixonando por um refugiado de Gana que procura o local. A história de amor começa de forma interessante, mas o roteiro se perde em tentar quase que canonizar Inger, deixando Kwame (Prince Yaw Appiah) com um personagem profundamente falho que, de certa forma, no lugar de ajudar critica a forma que imigrantes são tratados, acaba justificando-a.
Não estou dizendo, aqui, que a postura pouco correta de Kwame explique o preconceito que sofre, mas ela certamente ajuda nessa percepção, já que tudo que Inger não é, Kwame é. Até mesmo o amor momentâneo que os dois compartilham é duvidoso da parte do ganense, levando o curta a muito mais condená-lo do que lidar com os verdadeiros problemas que até países do mais alto nível de desenvolvimento como a Dinamarca tem em lidar com imigrantes e refugiados.
Os dois atores, porém, estão muito bem em seus respectivos papeis, convencendo-nos de sua relação difícil e conturbada. A aura santifica que Inger recebe pelo roteiro de Aske Bang e Ib Kastrup é que realmente pode irritar. Se o espectador, por outro lado, souber filtrar os problemas, Silent Nights pode proporcionar uma boa meia-hora.
Direção: Aske Bang
Roteiro: Aske Bang, Ib Kastrup
Elenco: Vibeke Hastrup, Ali Kazim, Malene Beltoft Olsen
Duração: 30 min.
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Sing
(Hungria – 2016)
Sing, curta húngaro dirigido e co-escrito por Kristóf Deák, é o mais “padrão” de todos os curtas que concorrem ao Oscar em 2017. É o único a contar efetivamente uma história clássica, com começo, meio e fim sem comentários sociais mais relevantes. Trata-se, quase que exclusivamente, de uma história de vingança perpetrada por crianças – sim, crianças! – contra sua tirânica professora de coral que, para ganhar prêmios em competições, exige que aqueles que ela decide que não sabem cantar, apenas façam mímica que estão cantando, sem soltar qualquer som.
A referida professora, Srta. Erika, é vivida por Zsófia Szamosi e é impossível não vê-la como a versão búlgara da Enfermeira Ratched de Um Estranho no Ninho. Ok, Erika não chega nem de longe a ser comparável em termos de maldade, mas a forma como Szamosi a retrata como alguém que “claramente” acha que está fazendo o bem, mas com aquele olhar doente que pontilha uma performance para lá de assustadora.
O resultado é uma divertida história que talvez possa ser classificada como de suspense, que é muito bem conduzida por 25 minutos, ainda que haja um desequilíbrio muito grande entre a construção de toda a situação e seu desfecho abrupto. Isso demonstra, de certa forma, que a obra poderia ter sido ainda mais econômica e ligeira, o que talvez enfatizasse ainda mais o lado “mal” da bela professora.
Direção: Kristóf Deák
Roteiro: Kristóf Deák
Elenco: Zsófia Szamosi, Dorka Hais, Dorka Gáspárfalvi, Mónika Garami, Borbála Karádi
Duração: 25 min.
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Timecode
(Espanha – 2016)
Timecode vale pelo inusitado da coisa. Dois vigias (Lali Ayguadé e Pep Domenech) de um estacionamento subterrâneo de turnos diferentes deixam mensagens “dançadas” em vídeo um para o outro. Sim, isso mesmo que você leu. Falar mais é estragar as surpresas dessa curiosa obra espanhola dirigida por Juanjo Giménez Peñae e escrita por ele e Pere Altimira que se fia quase que unicamente em imagens para passar sua mensagem de vida e de liberdade.
São 15 minutos de puro entretenimento que pega um dos empregos mais monótonos que existem e transformam em um pequeno espetáculo visual, com coreografias modernosas e interessantes, que quase que funcionam como um ritual de acasalamento entre os dois vigias. Não há grandes ambições no curta, mas ele mesmo assim nos faz pensar nas pequenas coisas, em como achar propósitos em tarefas das mais variadas naturezas. É uma pequena celebração da vida encontrada nos lugares mais improváveis por todas as pessoas a todo momento.
A forma como os diretores usam sequências fixas a partir das câmeras de vigilância do estacionamento, convertendo-as em tomadas mais “profissionais” funciona esplendidamente para elevar a curiosidade a cada novo “número” e na medida em que a escala dos acontecimentos vai em um crescendo. Dá até para realmente acreditar que algo exatamente assim acontece todas as noites nos mais bizarros lugares mundo afora.
Direção: Juanjo Giménez Peña
Roteiro: Pere Altimira, Juanjo Giménez Peña
Elenco: Lali Ayguadé, Pep Domenech, Vicente Gil, Nicolas Ricchini
Duração: 15 min.