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Crítica | A Chegada (Sem Spoilers)

por Iann Jeliel
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Se você pudesse ver toda a sua vida do início ao fim… mudaria alguma coisa?”

  • Leia aqui, nossa crítica COM SPOILERS.

Denis Villeneuve é possivelmente um dos principais nomes da geração dos anos 2010, embora seu início de carreira se inicie nos anos 90, com dois longas-metragens colaborativos de baixo orçamento, Cosmos (1996) e 32 de Agosto na Terra (1998), e começa a ganhar notoriedade no início dos anos 2000, com Redemoinho (2001). Depois de uma longa pausa na carreira, ele volta a chamar atenção com Politécnica (2009), filme sobre o massacre na Escola Politécnica de Montreal, e finalmente vai ser descoberto pelo mundo no ano seguinte, com Incêndios (2010), longa representante canadense para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011.

A partir dali a sua carreira seria alavancada aos rumos hollywoodianos – não exatamente com filmes americanos, mas que conseguiram notoriedade por lá, onde ficaria mais clara a sua identidade estilística em conduzir thrillers psicológicos carregados de dilemas filosóficos e disputas/anseios criados pela necessidade de comunicação. Villeneuve então vai começar a propor um diálogo direto com seu público sobre o exercício de reflexão moral proposto pela narrativa em específico. Esse confronto o faz ser bastante relacionável no ponto de vista expansivo, já que em seus filmes que buscam essa comunicação mais próxima, a tendência é que eles alcancem um público maior, sem, contudo, deixar de desafiá-los.

Em Incêndios o objetivo idealizado dos irmãos protagonistas é conseguir entregar uma carta a um familiar, em O Homem Duplicado é sobre descobrir o paradeiro de uma “cópia?” do protagonista e conseguir falar com ela, em Os Suspeitos é a investigação do desaparecimento de crianças em uma cidade pequena que desafia os limites morais dos pais e da polícia, que precisam se manter sob controle para buscar informações sobre a verdade, em Sicario somos jogados no meio de operações contra cartéis, em que o protocolo é basicamente esconder informações para tudo ser facilmente manipulado. Eis que temos A Chegada, que representa o ápice desses dilemas particulares da comunicação colados em âmbito global. Observando filmes de invasão alienígena, principalmente americanos, espera-se do leigo uma abordagem de filme reativa, pareando a ação de destruição global, afinal, no medo do desconhecido a resposta rápida para a existência de extraterrestes se deparando com humanos seria a guerra.

Villeneuve já inicia A Chegada com essa subversão de exageros com seu realismo característico, a construção da mise-en-scène inicial desenha um acontecimento trágico responsabilizado pela “chegada” deles, em contraponto ao que sentimos na  sutileza do passar dos planos, o presságio da tensão que toma conta da população é suavizado pelo contraste da calma que a imagem sugere daquela novidade, um início calculado de como seria o primeiro passo da comunicação mais adiante do filme, o medo desviado pela vontade do conhecimento. Com o desespero calmamente estabelecido, militares e governantes contatam a protagonista, professora americana referência em linguística, para estabelecer esse primeiro contato amistoso em busca do estabelecimento de um método comunicativo para que se possa descobrir qual o propósito deles na Terra.

Adotando uma abordagem científica, mas também repleta de sensibilidade, Louise reconhece que, antes de ser um meio de comunicação, a linguagem era uma forma de expressão artística, um modo de expressar graficamente sentimentos e ideias abstratas. Assim, ela se vê diante de seres cuja linguagem escrita não é uma mera representação da falada, expandindo-a além dos fonemas. Junto do físico Ian, inclusive, eles parecem ser os únicos a acreditarem no poder da teoria linguística, na qual a estrutura e o vocabulário de uma língua são capazes de moldar os pensamentos e percepções de seus falantes e, portanto, cognição e língua são inseparáveis. Enquanto isso, ao seu redor, os homens poderosos de diferentes países a cobram respostas imediatas, e quando elas vêm, não se dão ao trabalho de pensar nas possibilidades das camadas da interpretação, pareando as nuances da primeira comunicação entre falas distintas.

Nas revelações do roteiro, aquele início tragicamente trabalhado ganha um novo sentido não tão trágico, melancólico, mas extremamente belo. Dentro do jogo de montagem, é nesse momento o entendimento de linguagem, auxiliado pela liberdade criativa da ficção científica de brincar com linhas temporais que entram em sincronia com a própria semiótica tratada em sua estética. O público é ludibriado, bem como todos os militares, ao compreenderem algo maior somente pela informação comente o ponto de vista do outro, desse modo, tanto na história quanto na abordagem audiovisual ao contá-la, a mensagem da importância da comunicação ganha contornos tematicamente relevantes e universais.

As alusões à semiótica e aos fenômenos da comunicação, desde o uso de imagens acústicas até o índice, estimula o público a refletir como a ela tem o poder de influenciar o presente e o futuro das pessoas, estados e/ou nações. Enviar e receber informações, sejam elas transmitidas por meios de sinais, códigos ou linguagens diferentes, com ruídos ou transmitidas claramente, pode ocasionar em mal entendimento àqueles que as recebem, ou propagar união em um propósito comum, de acordo com a sua veracidade. Denis Villeneuve elabora um clássico do cinema moderno em A Chegada, necessário para futuros estudos do impacto da comunicação nas relações humanas, algo que demonstra em toda a sua regular – ainda curta e notória filmografia.

A Chegada (Arrival | EUA, 2016)
Direção:
Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Heisserer (baseado em conto de Ted Chiang)
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg, Tzi Ma, Jadyn Malone, Mark O’Brien, Abigail Pniowsky
Duração: 116 min.

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