Até um certo momento da vida, comprar roupa não é uma preocupação para homem algum. Primeiro, elas vem de presente de Natal, dia das crianças e aniversário. Na ocasião, não temos ideia do quanto aquele presente é importante, e torcemos o nariz, procurando um embrulho mais colorido em busca de qualquer outra coisa pedida ao Papai Noel ou ao Papai e Mamãe reais.
Aí vem a adolescência e escolhemos as coisas mais vergonhosas (do ponto de vista dos pais) para colocar no corpo e sair como se fôssemos o ser humano mais interessante do Universo. Anos depois, assumir que já vestiu essa ou aquela peça; dessa ou daquela cor; acompanha desse ou daquele adereço — eu já usei pochete, gente! –, será piada de escracho diante dos parentes (onde esse povo consegue ter tanto registro constrangedor em fotos e vídeos?) e amigos mais novos.
O tempo passa. E chega os vinte e tantos.
Nessa fase, cada “jogador” tem um interesse específico, mas a maioria deles não liga muito para roupa não. Começa aí um movimento de bastidores que só no final dos vinte e tantos, quase nos… (aquela idade que não deve ser nomeada), se tornará o grande pavor de uma parcela dos homens. De repente, comprar roupa se torna um pesadelo, daqueles que “às vezes, a gente sonha e baba na fronha e se urina todo e quer sufocar”, como já cantava Chico Buarque.
Você entra na loja e já imagina se compra um número menor de calça, pensando em perder aqueles quilos que não deveriam estar mais com você desde a promessa de ano novo, seis anos atrás. Vem uma atendente risonha e diz: “precisando de alguma coisa, senhor?”. “Não, só dando uma olhadinha. Obrigado.”. A mesma atendente risonha oferece duas promoções. Parece que ela notou que você está na parte errada das calças. Ela provavelmente está pensando “o que esse mamute está fazendo na arara do tamanho 44?”. Ou, quando você está nas camisetas… “esse hipopótamo-rei deveria saber que M não é tamanho MUNDO e sim MÉDIO”.
Constrangido, o “jogador” de vinte e tantos cai em si, pega algumas camisetas e calças e vai até o provador. Lugar bem iluminado. O espelho rindo da sua cara, jogando para fora todos aqueles dias que você disse “academia essa semana não” ou “vou trocar por natação”, mas não foi nem para um, nem para outro. E lá vai a calça nova. Uma perna. Outra perna. A subida até a cintura. Mas, ei! “O que é isso?”, penso eu, o jogador de vinte e tantos. Pareço um embrulho mal feito, com a calça tão agarrada nas panturrilhas que elas lembram uma pequena porção de carne moída embalada em jeans.
Consternado, tento entender a cabeça das pessoas que fizeram o corte desse tecido. Na cintura, até que a coisa vai, e às vezes nem precisa daquela secadinha marota ou daquela nota mental que se dissolverá no primeiro doce à vista, 40 minutos no futuro: “até o fim do mês eu perco 2 quilos e ela vai ficar ótima!”. Mas a peça fica boa em um canto e aperta em outro. Dá até medo de um derrame gerado por má circulação. Sem contar que, em alguns casos — aqueles em que a calça tem o “tamanho certo”, mas parece que foi feita para adolescentes desnutridos –, a “cintura” fica um pouco abaixo da bunda e os bagos seguem cada um para um lado, parecendo duas mini-bochechas mutantes em um rosto sapeca, mostrando a língua para quem quiser ver.
Volto para a loja depois de descartar metade do que levei para o provador. A atendente me pergunta o que achei, e eu digo que não gostei de nenhuma peça. “Provou as camisetas?”, ela quer saber. Seco o suor da testa, ajeito os óculos e olho para as camisetas que não provei. Digo que vou para outra loja e se não gostar dos preços, volto e provo essas. A atendente me olha e não sorri. Parece brava comigo. “Coisa pra corpo de homem da sua idade é mais difícil mesmo, senhor”. Genuinamente espantado, assumo o que não quero acreditar desde o meu último aniversário: “mas eu só tenho 29!” (com ênfase meio afetada no “SÓ”). Ela me olha com a maior cara de meme de facebook e diz: “ha-ha-ha nem parece! Mas é assim mesmo, viu, senhor. Roupa pra homem é sempre mais difícil”. Percebo a completa mudança no tom e a total incoerência da frase. Sorrio sem vontade e saio da loja. Ainda preciso de calças. E camisetas. Mas passei raiva demais. Antes da próxima tentativa de compra, um sorvetinho cairia bem, só para relaxar um pouco. Talvez até ajude na hora de provar as novas peças.
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Crônica dedicada à atendente de uma certa loja do Shopping Iguatemi.