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Crítica | Antes do Pôr-do-Sol

por Gabriel Ferreira Vieira
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Passaram-se nove anos e, com o lançamento do livro, que conta justamente a história da noite de 1994, mostrada em Antes do Amanhecer, Celine e Jesse – este último, o escritor do dito livro – se reencontram para mais horas de incansáveis diálogos e um pouco menos de romance em Antes do Pôr-do-Sol. Seguem pelas ruas de Paris dessa vez e não há aquela cara de guia turístico do anterior, apesar de a intenção ser mostrada por Richard Linklater em alguns momentos – diga-se, a cena do barco turístico –, em um tempo contado, e cada vez mais burlado, para a chegada de Jesse a tempo ao aeroporto e sua conseguinte volta aos EUA, que acaba também reduzindo o tempo desse filme em relação ao seu antecessor – gostaria de dizer que Pôr-do-Sol recebeu uma aceitação maior por parte da crítica americana justamente por que não tiveram que assumir o compromisso de prestar atenção em tanto tempo de diálogo, mas não é bem aí que mora essa aceitação, ela está pontualmente onde esse fica abaixo do primeiro, que é menor nível em que os diálogos se encontram dessa vez.

Logo no primeiro diálogo que engatam, começamos a perceber uma diferença para os diálogos do primeiro e ela não está especificamente no quão fervorosos costumam ficar Jesse e Celine, isso continua igual. Há a decadência: ela não é somente perceptível, é inocultável. Há, na verdade, dois tipos de decadência, um deles, os roteiristas do filme, Linklater junto com Ethan Hawke e Julie Delpy, têm por propósito mostrar ao seu público e é a decadência em relação às expectativas e a negação que vem dela. Todos os dois estão decepcionados com o que os aconteceu, e o reencontro traz à tona todas as expectativas que tinham em 94 e, ao mesmo tempo, a realidade que na verdade vivem – lembrem-se, leitores, do que Jesse fala, logo no começo do filme, sobre como vivemos, a cada momento, vários momentos em nossa mente ao mesmo tempo –, tornando tudo uma mistura de felicidade, pois sentem que só foram genuinamente felizes naquela noite de 1994 e agora a têm de novo, e tristeza imensa, pois não são mais jovens sonhadores, não sabem nem ao certo o que são. E então voltamos à mesma do primeiro filme: contemos um ao outro quem somos e tentemos entender quem na verdade somos. Só que dessa vez há um problema chamado negação. Logo quando se encontram, contam como suas vidas são brilhantes, mais para o final do filme, estão chorando por causa dela. Após a negação, vão de verdade soltando os problemas e tentando entender o que aconteceu, entender quem são, e essa tentativa de entender vai fundo – talvez a cena magistral, nesse sentindo, seja a que Celine diz que leu seu diário de criança e que conseguiu identificar ainda alguma essência sua, isso é, absolutamente, o cúmulo do ser em busca do si.

Mas existe também a decadência que nenhum dos três roteiristas perceberam: dos temas nos extensos diálogos. Por mais que o tema finde mesmo sendo o encontro da essência de cada um, cada subtema que aparece para ser abordado é mais superficial que o outro. Eles parecem ter perdido aquela alma de busca filosófica, perdido uma alma em si, pois seus assuntos são sempre voltados aos temas mais carnais e mesquinhos possíveis, sejam problemas sociais e políticos do mundo, que nunca saem do âmbito material para eles, sejam os problemas vindouros de suas próprias casas e formas de vida que levam. Celine, por se sentir oprimida pela situação de vida supostamente melhor de Jesse, é sempre mais grossa e chega ao ponto de ditar em quais pontos ele deveria se sentir orgulhoso de sua nacionalidade e quais não, enquanto Jesse, sempre consternado ou com medo de estar falando a coisa errada – ou, como a própria Celine fala em algum momento, um homem em adaptação ao mundo atual das conquistas femininas, e que, ainda mais, sente-se pior quando é ele o autor best-seller, não ela –, então aceita que ela o trate como lhe convém. E, dessa forma, os assuntos nunca passam de superficialidades, nenhum está disposto que diferente seja.

A prova para tudo isso é que os momentos de maior força do filme, e que consegue nos atingir mais fundo, são aqueles em que os dois se voltam ao que os torna melhores, seu lado mais espiritual, (e que também é o tema do primeiro) o amor um pelo outro. Como na primeira cena, quando Jesse se lembra de momentos específicos, que sobreviveram em sua mente para que pudesse para sempre amar Celine, enquanto fala com jornalistas em entrevista sobre seu livro. Ou mesmo no final, quando Celine canta sua valsa sobre a noite de 1994, depois de ter passado o filme todo levando o assunto para um lado menos emocional, escondendo seus sentimentos pelo acontecimento em Viena, e finalmente, nessa valsa, revelando tudo o que verdadeiramente sentia e pensava sobre aquilo, nove anos passados. E tudo continua sendo muito interessante, e melhor é pensar como Linklater e seus dois atores principais construíram universos psíquicos tão ricos para seus personagens, pois é inigualável no mundo do cinema, de fato inigualável, uma exploração tão real de duas pessoas no mundo – se conhecendo e, agora, se conhecendo novamente.

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset) – EUA, 2004
Roteiro: Richard Linklater, Kim Krisan, Ethan Hawke, Julie Delpy
Direção: Richard Linklater
Elenco: Julie Delpy, Ethan Hawke, Diabolo, Louise Lemoine Torres, Rodolphe Pauly, Vernon Dobtcheff, Mariane Plasteig
Duração: 77 minutos.

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