Consagrado pela literatura de auto-ajuda, entenda-se Paulo Coelho e afins, o caminho para Santiago se tornou rota para aqueles que procuram, e possuem meios, para expiar suas culpas enquanto andam pela Espanha e suas variedades geográficas, regiões diferentes linguística e culturalmente. Percorrido desde século IX, contudo, há muito que o objetivo de encontrar as relíquias de São Santigo fica em terceiro ou quarto planos, importante é o sacrifício, aparentemente caminhar servirá de catalisador simbólico para as mágoas e rancores que sempre imperaram no campo espiritual e religioso, procura-se mais a si mesmo que a Deus, de fato, nesse caminho. Interessante pensar que talvez o rumo tomado pela arte enquanto forma de expressão, e possivelmente eu esteja sendo autotélico, como disse Schoppenhauer “é a ascese do homem’’. Digo isso em sentido quase a histórico, afinal o artista fala e conversa com seu tempo e realidade social, não se pode negar, mas pessoalmente, mesmo que essa subjetividade não deixe de ser objetiva também, a experiência pessoal é parte fundamental para entender a motivação de cada um na hora de comunicar oque entende sobre o estar no mundo.
Tais ideias tornam mais interessantes uma análise acerca do filme O Caminho, filme de 2010 dirigido por Emílio Estevéz, mais conhecido por ser irmão de Charlie Sheen, mas dono de uma respeitável obra dentro de Hollywood. Dedicado a seu avô, vemos nesse filme um misto de melodramas pessoais ao ator, memórias e a necessidade de explicá-las, como também um meio de representar o sacrifício como forma de perdão. Será por isso, por chegar tão fácil ao expectador, que o filme fará o sucesso que conseguiu, não estrelando em festivais de relevância cinéfila, mas tocando os espectadores que o assiste. Após o sucesso do autobiográfico Bobby, Emílio decide retornar uma vez mais às histórias de autoconhecimento.
Partindo do pai, Martin Sheen, em busca das memórias do filho (o próprio Estévez), morto ao tentar cruzar os caminhos para Santiago, o foco do roteiro será dado pelas motivações de cada sujeito que o acompanhará ou não em sua jornada. Um dos graves problemas que a película apresenta em seu desenvolvimento é exatamente esse tipo de divisão das suas personagens, mal trabalhadas e desproporcionais ao longo do drama. Existe pouco de determinados personagens, mesmo com tempo de tela garantido.
O andamento dado pela divisão de sequências em cada ato é bem interessante é funciona de modo a não deixar o espectador se desinteressar, mas o uso de elementos de comédia desmedida prejudica e muito a apreciação, quebrando a sensação de urgência dada pelo ritmo impresso nos cortes calmos e várias vezes melancólicos. A narrativa segue em tom calmo, os conflitos estabelecidos se resolvem rápido, mas é naquilo não dito pelas personagens que o filme desenvolve suas intenções, um pouco tarde, devo dizer.
Outro grande problema que acaba atrapalhando o filme são determinadas escolhas de planos, tanto na cinematografia quanto na montagem de tempo dos blocos. Alguns fotogramas são notadamente mal incutidos na narrativa e outras sequências não funcionam bem, como em momentos de tristeza imensa intercaladas por músicas alegres e ”engraçadinhas”. Isso simplesmente desmonta toda tensão dramática. Vejam que isso tudo, como já dito aqui, acaba atrapalhando, mas não obstruindo a experiência do espectador comum ou cinéfilo. É fácil se apegar às tragédias contidas e narradas ali e é nisso que o filme se salva, por ser, no fim de contas, bem feito. Bem fotografado, consegue fazer com que nos apeguemos à história ali contada, ou seja, como expressão pessoal de uma vivência é um projeto interessante, que mesmo devendo em qualidade artística possui singularmente um apego típico do cinema, o da expressão. Quando encarado, um filme assim faz pensar na típica divisão do “alto cinema de arte” para aquele cinema dito de “entretenimento”.
Essa questão, da mesma forma que divide a expressividade pessoal do tempo vivido pelo sujeito e o tempo e lugar onde é produzida, é estéril. Assim, fecho o ciclo de ideias em que considerava filmes a partir de suas melhores qualidades, aquilo que eles carregam, experiências. Assim, posso dizer que quando assistimos a um bom filme, independente de sua qualidade, aquilo que sentimos por ele acaba sendo o mais relevante por possuir algo mais singular, um apego típico da experiência humana, o da representação. Das antigas bestas aos novos deuses, continuamos demasiadamente humanos.
O Caminho (The Way, EUA – 2010)
Direção: Emílio Estevéz
Roteiro: Emílio Estevéz
Elenco: Emilio Estevez, Deborah Kara Unger, Yorick van Wageningen, James Nesbitt, Romy Baskerville, Renée Estevez, David Alexanian, William Holden, Spencer Garrett, Martin Sheen
Duração: 123 min.